Não sei se tenho frio ou calor. Nem sei sequer se existo para além das oscilações de temperatura que se fazem sentir aqui, no gelo, mas, no entanto, estou tomado duma certeza com a qual aprendi e continuo na aprendizagem de viver. O frio é a temperatura definitiva da minha alma. Teço fogueiras imaginárias dentro da minha imaginação, as quais são abundantemente regadas de combustíveis impossíveis, realizo diligências por lugares solarengos na imensidão do equador da minha vontade e o resultado é sempre o mesmo, frio, um resultado que não trás nada de novo à situação que condiciona a demanda e afundo-me, afunda-me. Era bom saber que havia escondida no mundo do reais a solução para a rigidez mórbida que deturpa a alma, que apesar de acompanhada por uma imaginação efervescente e activa não desvenda as forças fundamentais para que a fricção de sentimentos despolete numa chama, num simples e quente fogo que alteraria a temperatura que há em mim e dentro de mim. Toda a gente grita que no mundo a única coisa que permanece para além do ódio e dos sentimentos pestilentos da alma são a fraternidade e o conforto que sentimos quando vivemos os dias das nossas vidas com os nossos iguais, e isso é a verdade que me fere por ser a maior mentira que consigo e quero conceber. A distância dos meus pares, um pouco à semelhança do lobo que, por fraqueza, perdeu o lugar na alcateia e vagueia, só e dolente, numa demanda pela sobrevivência, é a caldeira do calor gelado que orienta a globalidade do meu ser, do despertar desalinhado, ao deitar aterrorizado. Que vida fui escolher, ou talvez tenha sido escolhida por mim para mim, que nem sequer consigo conceptualizar as temperaturas da forma que os outros as concebem, e aproveitam, e jubilam por ser tudo um inverso do meu desgosto setentrional. Sou eu é de mim a tundra das almas, sou eu e é de mim a taiga dos desolados. A minha débil alma emigrou para as bandas do norte e o meu corpo permanece no seu (in)feliz recanto onde são glorificados aqueles cuja a alma emana uma luz e um calor interior assinaláveis e lega à desgraça os filhos malditos que essa luz e esse calor negligentemente conceberam.
quarta-feira, dezembro 31, 2008
segunda-feira, dezembro 15, 2008
Lembro o dia em que o buraco desmoronou como lembrarei o dia em que o buraco que cavei voltou a fechar-se, e nesta sucessão de lembranças acordo para a verdade daquilo a que, com contemplações e falas meigas, me sujeitei sem clamor nem alteração. O ritmo de trabalho assemelha-se a um caminhar desajeitado de um aleijado, que por não saber andar, preferiu atirar-se a um rio e pelas águas sujas e malignas ser conduzido, sem contudo obliterar o caminho que, com dificuldade, foi traçando com o arrastar lento e pesado do seu corpo morto, que é morto desde o dia em que em lágrimas despertou para a vida. Nesse caminho há tempestades assustadoras e raios que se revoltam em variadíssimas direcções, e no fundo de um vale encoberto pela luminosidade de uma estrela que não é feita da mesma matéria de que são feitas as estrelas a que vulgarmente costumamos associar a luz que por elas é emitida, que no fundo pouco ou nada representam quando comparadas com a cerração a que o sol sujeita aqueles que da noite fazem dia e do dia um sarcófago para uma mentira, abre-se a possibilidade de deixar de cavar para cair num buraco feito por outros iguais aos outros, mas senhores de uma outra cobardia, a cobardia de descobrir se do lado de lá há alegria.
Tempos mortos estes em que a chuva cai em direcções incertas sobre uns ombros que carregaram fardos invisíveis, mas estranhamente penosos, tão enfadonhos quanto a monotonia pode ser enfadonha e o fado que uma estrela que deveria resplandecer pode doar-nos a nós, amantes duma obscuridade que não concebe outra situação que não a luz, mesmo quando das paredes escuras dum céu carimbado de estrelas se forma uma luz que não serve para iluminar. É isso que me entristece e me incentiva a continuar no cavar para uma posteridade na qual o reconhecimento será dado aos montes de areia que se formam aqui e ali e que em nada contribuem ou contribuirão para o reacender da chama das estrelas caprichosas e bandidas que acenam alarvemente, sem contudo atribuir aquilo que, por palavras mais sinceras, poderia representar um rasgo de felicidade. E a tristeza afunda-se em nós e o barco que é a nossa alma, que vigorosa - como o barco a que correspondia - navegava sobre as vagas de um sentimento soturno e desconhecido, perde o barqueiro lúcido que sabia que destino poderia hipoteticamente agradar à sua tripulação, tristes bandidos duma noite sem luz que, na amargura de uma amanhã que será exactamente igual ao amanhã que foi ontem, continuam na árdua tarefa de cavar o buraco que se abriu no dia em que, com lágrimas e pranto, despertaram para a vida. Deste lugar tolhido pelos antepassados dos homens que acreditavam na beleza de um futuro em que as estrelas não só iluminariam os caminhos do dia, mas também iluminariam os caminhos da noite, não quero recordação que sobreviva ao dia em que o corpo regressar ao buraco fechado que assim está na certeza de que esse corpo ao buraco volta porque da sua alma foi rendido. Infernizados sejam todos os que me venderam sonhos com defeito e futuros com alegrias em catadupa. As catadupas defeituosas de sonhos destruídos são a única recordação que ficou desse caminho amargurado que com o corpo pesado de uma aleijado percorri. Vou apagar as luzes falsas que me alumiam, para de seguida jogar-me ao buraco encerrado que jamais voltará a ser aberto a não ser por magia, uma magia que não conhece outra qualquer e que reside dispersa em bocados de papel apodrecido, e dos sonhos desfeitos, das estrelas manhosas, das verdades absolutas, das tempestades de raios, dos despertares em lágrimas para o pesadelo que foi uma vida libertar-me-ei para sempre.
quarta-feira, dezembro 10, 2008
terça-feira, dezembro 09, 2008
segunda-feira, dezembro 01, 2008
1893
Continuo a pensar em mim e em mais nada, continuo preso ao fascínio que tenho por mim mesmo, que me faz adorar os dilemas e problemas em que vivo e que não existem, e oculto-me sob o véu farto dum belo olhar que pouco mais percorre do que a distância entre a ida dos meus pensamentos até à retina e o caminho de volta às minhas idiotices. O meu cérebro é feito de poeira, que levanta à mínima agitação, ao mínimo movimento, transformando-se subitamente numa confusão que se centra sobre as confusões que o compõe a si mesmo. Não há Inverno nem Primavera que quebrem ou façam renascer ao folhas que se alimentam eternamente de ideias nos galhos da minha obsessão por mim mesmo, e os anjos das religiões pequenas continuam a ser os alvos preferenciais da culpabilização por o universo continuar circular em meu redor, pelas coisas pequenas e grandes manterem as suas órbitas no limiar daquilo que pode ser por mim processado através das experimentações pelos sentidos, quando nada disso acontece, é como se o meu peso e pesar obrigassem os espaços e os tempos a condescender e as realidades, os pensamentos, os sentimentos, as agitações, os receios, as peripécias e a vida das pessoas ficassem conglutinadas em mim, mesmo sabendo que incomodam profundamente, os seus sons, os seus movimentos, a sua afectuosidade, a sua paixão, o mundo em que vivem, e eu próprio, raios. O mundo, este onde eu e todos os outros existimos, uns com prazer, outros com ódio, dilacera-me de dentro para fora, debaixo para cima, faz-me querer parar de respirar a qualquer momento, rasgar a carne e sangrar até não poder mais e fenecer. Mas a cobardia, a maldita cobardia que proíbe que eu dê o passo seguinte, o medo de perder as pessoas, os sons, as agitações, os cheios, os sentimentos e a vida que tenho é maior do que a falta de vontade de permanecer neste lugar infernal que existe para que as pessoas penem por crimes que realizaram numa realidade e num tempo que só a Deus compete delimitar, um designío divino cheio de incongruência e falácias. Este lugar dos infelizes é cruel, doloroso, sombrio, mas é tão belo… o mundo que se construiu à minha volta e no qual eu, qual criança que brinca com os legos, fui colocando as minhas peças, este meu mundo é lindo e eu adoro-o, não o quer perder e amaldiçoo a morte por saber que um dia ela mo levará, mo roubará, mo tirará sem dor nem clemência, com prazer e satisfação, e vou ficar aqui assim, estendido, pasmado, a sofrer pelas pessoas, pelos sons e pelos sentimentos que o destino fez o favor de me roubar. Não, não mereço isso. O mundo tem que permanecer da maneira que é e que sempre foi, as pessoas que amo devem ficar para sempre ao meu lado, os sons que me agradam devem tocar suavemente nos momentos que eu assim o quiser, os pássaros devem vir cantar-me aos ouvidos assim que o sol se levantar, a ternura deve despoletar quando o caos agita e a morte não tem o direito de destrui-lo, o meu pequeno mundo que tão loucamente adoro.
Inevitavelmente, não tenho os poderes que os homens atribuíram, no seu receio pelo desconhecido, aos Deuses e por isso o mundo do meu ideal vai ruir e o meu egoísmo será ainda maior e casará com o desprezo, com o desencanto, e aí a maldita cobardia acabará por ceder e eu vou poder reconstrui-lo, tal qual como era, no mundo que será destinado aos homens que, por cobardia, não de morrer, mas de querer continuar a viver, estiver destinado… E aí partirei para a luz distante… partirei para a luz distante…
segunda-feira, novembro 24, 2008
segunda-feira, novembro 17, 2008
Estrela Furiosa
O som canaliza-se para mim, flúi paulatinamente entre a complexa estrutura atmosférica e esbarra no interior dos meus ouvidos, e no desenredar do ruído ouço o grito das estrelas a morrer. O som reentrou no meu corpo, mas desta vez está próximo demais do cérebro e consigo descodificá-lo, eu sei qual é o som dúbio que se apossou do meu frágil corpo, conheço as razões veladas a cada nota emitida, eu vivo no som e o som vive em mim, somos a simbiose imperfeita das leis do universo diminuídas a relação sonora entre um emissor e um receptor e dessa relação edifica-se um estranho rendilhado de tempo e espaço bem no centro do meu peito, e a reinar nesse tecido bordado pelas aranhas mágicas do universo antigo encontra-se uma estrela moribunda que está pronta a morrer. A sua fúria é ingovernável e o meu corpo é efémero demais para aguentar as forças que o seu descontentamento provocam, mas eu consigo tocar com a ponta dos dedos nos sentimentos mais profundos dessa estrela, que são largados latentemente sem que ela tenha consciência de que os liberta e eu toco-os, acaricio-os, beijo-os com os lábio e beijo-os com as palmas das mãos, e dentro desses sentimentos renegados emerge uma doce sensação de alívio, de paz, de serenidade da qual não me sinto nobre em receber. Porque é que esta estrela, mais submergida em fúria do que a areia coberta pela enchente do mar, liberta serenidade e comiseração no momento da sua morte? Porquê?
São expelidos rugidos que crescem e diminuem e voltam a crescer e a diminuir, e é impossível aguentar a violência desta oscilação estando tão perto do seu âmago, sendo o imo cósmico deste belo e pavoroso feito.Há raios de luz a serem emitidos em todas as direcções e eu próprio desempenho o lugar da estrela na hora da morte, que me escolheu de entre muitos para ser o escudo incerto da sua fúria e guardador da sua serenidade. Os raios trespassam-me e saem à velocidade da luz do meu peito e viajam rapidamente para outros lugares recônditos do universo, são libertadas as camadas exteriores da bomba estrelar, logo após ter-se inflacionado dentro de mim, comigo, inflacionamos os dois para que o caos não se tornasse na realidade da humanidade que é minha vizinha, felizmente para mim, que tenho nas mãos o poder para ver-me livre dela para a eternidade, porém não quero nem os acho com importância para sequer pensar na sua insignificante existência neste momento de loucura. Esqueço-os. As camadas, as camadas externas da estrela quebraram as algemas e partiram em debanda em direcção ao próximo canto que albergará a próxima nova estrela e o próximo novo conjunto de planetas ou a próxima nova nebulosa planetária. A minha estrela em fúria é agora uma super nova e eu sou uma super nova consigo e ambos brilharemos juntamente, mais e mais intensamente do que qualquer outra estrela, e no nosso centro há um acumular enigmático de matéria que se adensa tão rapidamente, tão ligeiramente que destruiu o cofre de sentimentos negros que eu mantinha lacrado no centro do peito, sentimentos que levei eras a amaldiçoar e que me amaldiçoaram posteriormente, a partir do momento em que saíram do coração para ocupar o vazio que existe na minha mente, e agora fundem-se com a matéria densa que ficou exposta no momento em que as camadas exteriores da estrela se projectaram para o infinito. A fusão ocorre, e a uma intensidade desconcertante, fundem-se, fundem-se, e a estrela voltou a fundir, mas desta vez não funde hidrogénio em hélio, nem hélio em carbono, nem carbono em oxigénio…. Está a fundir a matéria extremamente densa da estrela, o seu centro, com sentimentos excessivamente densos do cofre do meu coração e a densidade está a atingir o ponto critico, não há volta a dar… os raios de luz estão a encurvar-se e a voltar à esfera de matéria densa e sentimento negro, passam pelo seu interior, são sujeitos a uma incrível transformação e voltam a ser emitidos e são-no repletos em electromagnetismo, raios púrpura são emitidos dos raios que foram capturados… Mas que raios são estes, que foram sujeitos ao peso do centro denso da estrela e dos sentimentos negros que guardava piamente no cofre do meu coração? Que género de efeitos provocarão no tempo espaço e que consequências terão para o despoletar de novos acontecimentos cósmicos que até então pura e simplesmente não existiam… O casamento entre um buraco negro cósmico e um buraco negro humano. Olhem-nas, que em tempos foram as explosões de raios gama, já não são iguais, há nelas um peso, uma dor, uma angústia, um ódio pelo nascimento e pelo renascimento que ocorre a cada minuto no universo. Será… Serão estes os raios que, depois de cozinhados a altas temperaturas no centro duma estrela moribunda que preferiu morrer num interior dum homem moribundo, tomarão o lugar de cocheiros do coche maldito que trará o tão aguardado fim ao universo através da destruição da matéria conhecida e desconhecida, da total desregulação das forças que o sustentam, da consumição da luz…. Da eterna escuridão. -------------------------
segunda-feira, novembro 03, 2008
A palavra que esconde a minha história
segunda-feira, outubro 20, 2008
Nem sei bem quê
Canta para mim minha musa, grita o meu nome e vamos fugir os dois. Naquele sono perpétuo seremos um só, para o incessante, e dele crescerão folhas impressas com listas de cores e a cromática ferirá os olhos cujas íris não tiverem cor e a cor repudiará as íris que quiserem ter cor. É esse o destino dos nossos olhares entrecruzados, tempo, que na morte deixaram de o ser e eu vencer-te-ei porque jamais farás parte dos meus dilemas. E assim me fico e assim quero fica, sem pernas nem braços, sem asas e penas que produzam melodias obscuras e lagos gélidos. Não, não. Só há negação no meu espírito é tudo tão confuso, tudo tão inversamente inverso, atrozmente atroz. ……
quinta-feira, setembro 25, 2008
Diálogos com Deus
Uma obscuridade traçada em números num papel que se auto induz a conceitos enormemente precários, que nada mais são do que os convívios dos homens com a lei dos Deuses, palavras que foram aliviadas por gritos inaudíveis que se propagaram num vácuo que não concede propagação, mas as forças motrizes são tão veementes e incógnitas que as vozes dos Deuses recusam a permissão dos seus domínios para circular livremente e há sempre um homem de ouvidos apontados à comoção para descodificar essa linguagem intemporal e douta, duma erudição tão distante que os descodificadores jubilam ao ver uma estrela a vociferar em sinal de um ponto paragrafo, … ali termina uma interjeição de Deus, uma lei, um desabafo universal que às estrelas foi berrado e que às estrelas fez abdicar do seu ligar num lugar qualquer desenhado pelas mãos extensas das forças que procuro agarrar, amar e fundir-me em parte delas. Ai como é bela a pressão de milhões de toneladas em apenas um ponto no microscópico, é uma destruição que sentimos da ponta dos cabelos às células cimentadas da derme, no interior dos órgãos que formam o interno de todos nós e o limite é a eternidade em raios velozes e imparáveis, como Deus disse que seria quando a musica primeva encheu os salões do Seu reino.
Se pelo menos falasses directamente comigo e tivesses a sujeição de me explicar as nuances sombrias da tua linguagem, para que o nosso diálogo não se cingisse aos pensamentos que temo em divulgar. Queres que me tomem por louco por querer aceder-te. Eles não conhecem o poder de que és dono e todas as minhas tentativas para ter-te mais próximo de mim serão tomadas como desvios e psicoses, guiar-me-ão a um mundo onde parede almofadadas instituem um horizonte de eventos mais vazio do que a aproximação à dança catatónica dum buraco negro, é isso Deus, os buracos negros da Terra, aqueles cuja física não aceita nos seus paradigmas, é nesses que me vou acabar, à espera que me envies o sinal para o enlace final, mas garanto-me, Meu Pai Criador, não haverá nem houve e muito menos há coisa ou sensação que me possa preencher mais do que terminar-me em ti e reviver a minha vida passada num futuro maior, intemporal, onde as noções de dimensões espaciais e temporais deixam de fazer sentido e só as curvaturas dimensionais continuam, numa espécie de via ferroviária oculta pela escuridão húmida e ausente dum túnel longo. É no túnel que se inflama a nossa realidade, nas linhas incorpóreas que percorrem quilómetros e quilómetros de espaço até que o ser humano ignore termos e conceitos que facultem a compreensão da dimensão dos nossos reinos, e isso faz de nós algo maior do que um dogma, algo maior do que uma dúvida, algo maior do que uma singularidade… isso faz de nós os termos e as conjunturas que eles terão que desembrulhar num caminho continuado de decadência, dor, avanços e retrocessos, até ao momento em que o retrocesso impossibilitar o regresso e as suas construções, aquelas que com vaidade e insonolência não param de gabar, desapareçam do espaço a que chamavam universo e regressem a Ti, que nada mais és do que o seu engenheiro, desenhador e produtor.
Mas, Deus, como é que eu posso almejar tal sonho de entidade se nem da força gravitacional da terra, desta pequena e simpática terra, consigo libertar-me. Envia-me um furacão de energia, um feixe interminável e invisível de luz que esfarele a minha composição morbidamente tétrica, e assim poderei viver em partículas talhadas directamente por ti, quando nos tempos vagos te divertias a acender o rastilho de estrelas moribundas. Reclama-me novamente para ti, que seu teu em todos os sentidos. A humanidade que me concedeste através das reacções químicas estranhas que se desenrolam no meu corpo trouxe um defeito irreparável, que só me legou a sensação de exiguidade e o desencaixe a um mundo que não foi criado para a minha presença eterna. Eu vou vencer o tempo e os humanos não podem vencer o tempo, porque deixaste uma armadilha quase subtil no limiar das suas vidas, que os faz querer voltar a ser aquilo que foram, em sucessões sucessivas de repetições maçadoras e dilacerantes, e, quando assim não é, ficam outros eternamente ligados a eles chorando pelo seu regresso e pelo reinício do tempo em que tudo para eles iniciou. Eu não quero isso, jamais. Anatematizarei quem quiser aprisionar-me a esta terra com as cordas do sentimento, que impedem a progressão infinita até aos domínios do Criador. Por favor, jamais fareis isso por mim. A morte e o inferno resumiram-se ao período em que vivi com os homens, nos seus domínios, pequenos e atrofiadores, cheios de sentimentos pequenos de avareza, ganância, falso altruísmo e inveja. Esses elementos foram banidos do verdadeiro reino da verdade onde a verdade e a mentira se fundem para criar um estado de ser diferente, ausente, presente, quieto e irrequieto, onde tudo pode ser o que nada é e nada pode ser tudo o que é.
Vamos, não te quero maçar com pedidos, o tempo há-de vir e a felicidade, que desconheço mas que amo, por ver nela o inatacável do ser humano, preencher-me-á para a grande eternidade.
quinta-feira, setembro 18, 2008
Explosão
As mudanças subitamente deixaram de ocorrer e os movimentos descoordenadamente harmoniosos dos humanos nos seus formigueiros tornaram-se maneáveis, pardacentos, acabando por cessar e silenciar, e só eu me movimento, só eu consigo agitar as pernas com vontade de correr e a imagem do horizonte não afunila, permanece parada, as minhas pernas esforçam-se por dar ao meu corpo movimento, mas é tudo uma repetição aborrecida do ontem, do anteontem, do século passado, do eternamente para trás, até ao instante em que um Deus satírico e algoz deu à Luz uma bolha que cresceu e que deu à luz a Luz e que deu à luz o sol e que deu à luz a terra, que deu à luz a estagnação dos filhos que não deu à luz por saber de antemão que a inépcia de voltar a dar à luz atormentá-los-ia até ao fim da sua existência. Pois é, a eles foi jarretada a arte de dar à luz e isso fere-os e eles procuram quebrar o feitiço, contornar o destino, mas é do fado a arte de contornar e não daqueles que não podem dar à luz, dos não eleitos que fustigam o próprio corpo em nome da infertilidade.
Que mundo, Deus satírico e contemplador, que mundo feio que tiveste em pensamento quando optaste por deixar eclodir a bolha que seria o destino desse mesmo mundo, que maldade, que castigo, tu nunca tiveste o céu para dar porque limitaste-te a criar um inferno para onde reconduzes vermes que terão te aborrecido algures num momento e num espaço que só a ti fará sentido e só em ti será reconhecido, e os homens nem sequer aceitam que limitaste a sua existência à pequenez desse inferno que a determinados momentos deixa rever situações que foram nele em algum momento da sua existência prolongada aos olhos dos pequenos e tão curta aos teus olhos. Começo a perceber-te como perceberam os homens que viram em ti o único e verdadeiro deus, sem nunca alcançar a tua verdadeira forma, eu sei, mas mesmo assim consigo sentir no coração deles o medo e o receio que sentiam por sequer dizer o teu nome em vão, se o castigo era a loucura a que os sujeitaste e que agora sujeitas a mim. Leva-me para junto de ti, onde as estrelas não são estrelas e as galáxias não são galáxia, onde a luz não é luz e o que é não é. Peço-te, permite-me acompanhar-te naquele primeiro instante em que revelaste a tua verdadeira face, antes de te ocultares para sempre nas enigmáticas fórmulas que não conseguem chegar até ti. Eu estou contigo aqui, nesse momento e vejo-te tão bem como vejo o ecrã da máquina dos homens que me apoia na queda para o abismo, e clamo pelo teu nome para que possamos explodir os dois, sabendo que o amanhã era o ontem em que tu mesmo foste gerado. Vamos, que o meu corpo é susceptível à maldade e às armadilhas que deixaste no inferno em forma de bolha…. É agora………………………….
terça-feira, setembro 09, 2008
Labirinto
Queria sinceramente que houvesse alguém com o condão de me tirar daqui, com a calma com que se ensina um faminto a pescar, recuso uma saída brusca, violenta e não me sinto em condições, nem à altura, de esbarrar com um mundo que me é estranho e confuso, mas que é aquilo que quero, a amnésia para a minha loucura e o caminho silencioso que abre, lá no fim, para uma imensidão de luz.
Mas continuo a imaginar situações bonitas que mudariam o meu estado de alma caso eu tivesse a força motivadora, a vontade firme e o desejo real de sair daqui, e, de facto, é tudo apenas uma das inúmeras mentiras que tento vender a mim próprio. Ninguém percebe, ninguém vê, eu continuo a ser e a existir no mesmo mundo em que existem as pessoas, mas a minha imagem, aquela que é reflectida pelos meus olhos, é totalmente desfocada em pensamento cuja origem desconheço mas que acredito provirem de algum mal de ordem mental, um mal que teimo em não querer assumir e que alimento no fluir da minha continuidade temporal, vivo e consciente.
E depois surgem as interrogações…. Se eu fosse de outra maneira, continuaria a encontrar forças para resistir, continuaria a apreciar as coisas grandiosamente insignificantes do ser humano, da terra, do sistema solar, da via láctea e do universo em geral? Teria disposição ou auto motivação para contemplar situações que em grande parte carecem duma profunda solidão para serem vivenciadas em todo o seu esplendor?
Peso nos olhos, peso nos olhos, pouca fluência de ideias, lobos cerebrais em quase dormência… erros
terça-feira, setembro 02, 2008
As duas existem e estão aqui, silenciosamente contemplativas
Já não há luz no fundo da vida, sabias? A tua recusa permanente em combater as entidades escuras que te bajulavam afastou a luz, levou-a à exaustão definitiva, e quando lá chegares nem mesmos os olhos, que gabas serem os melhores de entre os animais noctívagos, valer-te-ão quando a boca da morte estiver aberta para ti, nos silenciosos últimos momentos em que o suor brota dos poros da derme a um ritmo metabolicamente executado. A miséria ve-me a dançar com as nuvens e inveja-me por ser eu um dos detentores do fluido divino que escorreu naqueles dias antigos em que os homens apedrejavam aqueles que pelos quais sempre haviam clamado em nome duma salvação egocêntrica e invejosa. Numa única noite banhei-me nele e dele ganhei a luz que cruza o universo à velocidade dela mesma, e não a velocidade de quem a quis prender em teoremas e fórmulas pequenas do intelecto humano. Eu dancei com a luz e os nossos pés chapinavam naquele sangue que vivia de aura distante e poderosa. A nossa dança prolongou-se até que os planetas dispersos se unissem sob a égide de um rei absoluto, intolerante e punitivo. Esse rei que, de guloso, quer morrer e da morte quer o fim dos seus mais próximos, num acto de petulância sem igual, pelo menos para ti, que és homem e não tens o dom de ditar sobre os ditados de ninguém. O que eras agora é apenas um antes que é para ti. Vale a pena um sacrifício tão ímpio e imoral levado a cabo por um impuro e pérfido ser humano. O mundo está quase completo na sua aparência disforme e só tu pensas conseguir vislumbrar por de entre as brumas que os acasos deixaram calmamente para ti, para tua confusão e para o nosso desespero, e o nosso novo amor ressente-se das estocadas frias que imprimiste aquando da tua irracionalidade psicótica, quando as trompas dos guerreiros medi orientais soaram do alto da duna que planeavas conquistar para ti, para teu próprio recreio, como se a duna quisesse responder e submeter-se aos teus singelos caprichos de criança sem futuro, sem arte, sem alma, sem vontade de viver, de vida de pernas para o ar, num caminhar em constante desavesso. Bonito, que bonito é ver o monte deserto a ser bordado com chamas e raios de sol, dum sol que ganha cor a cada disparo incógnito vindo do limiar do horizonte, local onde em tempos querias erguer um castelo, que nada mais era do que a tua câmara de torturas, porque eu sei, sei aquilo que tu sabes e finges esquecer… Eu sei que o teu sonho era destruir o sol, seres o seu algoz como ele sempre o foi para ti, cantando aqui e ali aquele som quase mudo ao qual te tornaste intolerante.
O veneno sobe lentamente às reacções eléctricas cerebrais e sentes-te afectado pelos seus efeitos, que não raras vezes dizes ser a melhor coisa que experimentaste nesta terra, que para ti não é novidade, que é e será sempre o teu reino, já que existes desde tempos imemoriais e continuarás a existir até tempos imemoriais, quando o sol e a terra forem meras memórias dum homem imemorial.
Perdoa-me se te maço, mas estar dentro da tua cabeça exige-me imensa interpelação, questões afloram das incongruências inconsistentes e doentes que montaram acampamento dentro de ti. Continuo a divagar nessa mente em dia de furacão.
segunda-feira, setembro 01, 2008
Os tipos que assassinam as baleias estão ligados de corpo e alma ao demónio e são tão ingénuos e pequeninos que não foram capazes de perceber isso, o que está ao alcance de qualquer ser unicelular ou dum composto carbónico que ainda não descobriu que pode, de um momento para o outro viver. Eu vivo dentro delas e escuto o grito de sofrimento que emitem, leio-o, vivo-o e transformo-o em mensagem livre que ecoará por milhares de milhões de anos no universo, até ao momento em que o apelo se converte em cominação, numa tremendo desafio bélico à humanidade. Que caramba, afinal estou aqui, entre as quatro paredes que prendem a minha inconsciência. Posso libertá-la? Alguém é cortês e responde-me se posso efectivamente deixar-me apresar pela inconsciência e viver livremente como todos os outros quereriam viver.
Não há resposta, porque não há aqui vivalma, nem aqui nem em lado nenhum, aqui só existo eu a falar comigo próprio. Que perda de tempo.
quinta-feira, agosto 28, 2008
máscaras - o subconsciente - o doente - o palhaço
Não consigo, é uma luta inglória.
segunda-feira, julho 28, 2008
Viagem entre duas estrelas
Eis um novo som a emergir do mais cavado do meu cosmos. Ele cresce lentamente e capta a minha atenção, vive alimentando-se da minha essência, e que robustez de barulhos confusos tão intricadamente tricotados que, não raras vezes, chega a roçar uma ode sonora, uma ópera, é isso, mesmo não possuindo características que o insiram neste género musical, a gracilidade dos seus sons chegam a roçar o mais profundo e complexo que se conhece da ópera. E vozes cósmicas, tecnologicamente insondadas entrepõe-se entre a harmonia celeste desta composição para guiá-la numa direcção inteiramente diferente, no sentido da estrela mais contígua ao sol e posso segui-la, à mesma velocidade, com a mesma elegância, com o mesmo sentido de ausentar-me das imediações do planeta. Mas há vozes bárbaras que acompanham o som, imprimindo-lhe qualquer coisa de obsoleto, que modificam-lhe a fórmula e o fazem divagar num friso cronológico da história do meu planeta. E surge mais um sample hipnótico para martirizar os meus sentidos sem piedade, o meu corpo ressente-se, torce-se, esmaga e expande, tudo num fundo cénico que cria uma ponte entre eras longínquas e eras inatacáveis, e os actores surgem, vêm vestidos de veludos, couros e linhos, e trazem os olhos cobertos em materiais sintéticos, assim como sintéticos sãos os seus adereços. Que peça é esta, quem foi o maldito criador desta encenação que me confunde, que aumenta a entropia em meu redor, quem é o condenado, eu não quero comprimir, diminuir, implodir na confusão. Quero servir-me do som e expandir-me, crescer, voar daqui para fora, cruzar o espaço e o tempo a uma velocidade ilimitada, por favor, ajudem-me e não me deixem ficar para trás, deitado à constrição, à pequenez, a introspecção e à loucura. Levem-me convosco e deixe-me tomar a dianteira do som que segue em direcção à próxima estrela, à estrela que se segue ao sol, ao nosso último destino.
Pedras, estão a cair pedras do céu, e a que velocidades viajam, meu Deus, conseguem viajar mais depressa do que o meu corpo, que já ia embalado na velocidade supersónica da melodia rebuscada e confusa que me servia de propulsão. Eu queria seguir no sentido inverso ao das pedras que caem, mas a sua velocidade prendeu-me, encantou-me e deixou-me no meu coração a vontade de viajar com elas, de comprimir novamente e deixar-me amarrar pelos braços gravitacionais que ladeiam a terra. Indecisão neste momento é que não. Não quero ficar sem saber o que quero realmente, porque a minha primeira opção é aquela que tem que prevalecer, quero partir para a estrela mais próxima e voar a uma velocidade próxima da velocidade da luz e ouvir, ao longe, a bela melodia pluritemporal que me impulsionou para os ares.
É noite, a barreira azul do céu dissipou-se, esqueci as dores, os medos e todas as coisas que me faziam sofrer, a partir de agora é para a frente, seguindo o som do futuro e as melodias do passado em direcção ao desconhecido. A escuridão do cosmos murmura votos de boa viagem, não é tempo de hesitar, a velocidade aumenta de forma louca e é tarde para pensar, o espaço parou, tudo parou, e só a música mantém a sua presença inalterada, e vejam a terra, azul e magnifica, que coragem temos em deixá-la para trás, mas não é de nós que ela precisa… não. Precisa de quem a ame e de quem a estime e nós já não somos capazes de o fazer, passamos dessa fase motivados pelo nosso egoísmo e desejo de expansão. Vamos, jamais voltaremos, ou talvez um dia possamos voltar, quando reaprendermos a amá-la na medida em que ela merece, vamos, sem recordações ou lamentações, a estrela mais próxima é o nosso destino e nada o pode mudar.
sexta-feira, julho 25, 2008
Quarto Vazio
Eu já ganhei um abrigo, criei-o com toda a arte e sabedoria que acumulei de pessoas que padeceram da mesma inconstância do que eu, mas tu consegues sempre superá-los e entras silenciosamente, com um pesar profundo nos olhos que me transmite medo, receio, dúvida, só que não posso negar-te e simplesmente ignorar-te, sabendo que és uma das partes mais prementes da minha personalidade, não posso evitar-te quando sei que estás aqui, mais intrínseco ou mais extrínseco, estás aqui, no céu generoso que conquistei aos anjos e nos campos sangrentos que ganhei nas derrotas sobre as bestas.
Dá-me nomes, enche-me de lamentos, de pesares, trata-me da maneira mais rude que conseguires, faz-me lembrar que és de mim e que jamais serás de outro alguém, envolve-me no som dos sinos da igreja que vociferam o meu requiem, e, por favor, morre comigo. Estou sem forças, não há apoios resistentes dentro de mim onde me possa apoiar, ainda por cima cortaram-me as unhas e crucificaram-me sobre uma cruz de noções estranhas sobre as quais levantei a minha conduta. Mas não existe conduta, a existir, existe uma profunda apatia e um humor terrível que não mudo e não quero mudar, porque eu sou apático, alienado, não quero gente, não quero barulho, não quero sorrisos, não quero sonhos belos, nem quero neve a cair-me sobre os pés. Estou soterrado em noções estranhas que ganharam vida de uma cruz de madeira que me ampara uma das paredes da cela. Cicatrizes surgem-me nas mãos e dá-me vontade de chamar a viúva que congeminou a minha queda e a morte que nos alimentou a todos, foi por elas que perdi o controlo do meu eu e me deixei subjugar pelo meu id, a elas devo a minha queda e a ressonância dos meus pecados. Sou recalcado, recalcado, frustrado, atormentado por lembranças esquecidas de lendas que viviam nos meus tempos de infância, na adolescência, na idade adulta, na velhice e na morte. Serei eternamente recalcado, no passado ou no futuro, nunca no presente, porque assumo que fui recalcado e que serei recalcado e que eu próprio me recalco neste momento para padecer de mais recalcamentos. Tenho uma câmara aberta para mim, num chão com falsos e aberturas, não sei que fazer dela, embora ouça estranhos lamurios que se elevam do seu interior, dizem “Guiar-te-emos à corrupção dos anjos”, “Amarás a corrupção dos anjos como jamais amastes as coisas da terra”. São factos de sítios secretos que não conheço, nem quero ouvir falar, mas que se apresentam e se oferecem para matar-me a pele e os pecados, para eliminar para sempre a minha tristeza, querem que eu disponibilize a minha moral e a minha ética, sonham em ver-me esvaziado de pilares que guiem condutas aceitáveis para que a minha degeneração seja completa, incontestável, inexorável, bárbara e final.
Os meus olhos optam por se esconder, tal é a confusão entre tempos verbais e tempo dos homens que me vai na alma. Estão cansados de devaneios tristes e infrutíferos, querem abdicar de mim, e certamente não voltarei a ver as coisas do mundo dos homens nem as coisas do mundo dos anjos. A minha alma será purificada, mas os meus olhos estão condenados à eternidade da escuridão, não há nada que o meu interior possa fazer para alterar as modificações que ocorrem ao nível do exterior do meu corpo, embora seja dele a responsabilidade de tal destruição. Vento, vento, vento artificial que me consolas a face, vento das máquinas humanas que tens para me dizer? Esse sopro diz tão pouco e de forma tão complexa que os meus sentidos de homem começam a perder em qualidade para as tuas vocalizações, vou para baixo do reino dos homens, é isso que pretendes dizer e que eu, com muito esforço, não consigo compreender. As minhas pernas rangem de inércia, as articulações dão estalidos estranhos que indicam pouco movimento, e eu crente na agitação do meu dia a dia, imbecilidade, se eu nem sequer me movi um milímetro e assisto à reposição adiantada da minha vida sem sequer abrir os olhos. É demasiado complicado, está-me a brilhar dentro do coração e eu tenho fé na sua luz, mas as trevas avançam a velocidades próximas da velocidade da luz e rapidamente cairei na escuridão, é um sacrifício, dizem-me vozes, quem são, ninguém, sempre ninguém, vozes que não pertencem a ninguém.
segunda-feira, julho 21, 2008
O conhecimento e o momento
Eu começo a despertar lentamente para esse conhecimento que não precisa de conhecimento, que flúi livremente de cada célula viva que existe comigo, dos átomos que cimentam essas células e dos quarks que sustentam os átomos. Eu não preciso me deslocar deste local onde permaneço à tanto tempo que o tempo se transformou em eternidade, eu sinto-o a abordar-me livremente, deixo-o entrar, choro por ele, riu com ele, existo em seu respeito e aprecio a totalidade da experiência universal sem grande esforço. Serei um privilegiado, um escolhido, ou um mero parvo que não despertou para a realidade pelo medo que esta lhe provoca?
quinta-feira, julho 17, 2008
Soluções, baixar os braços, fechar os olhos, entrar em combustão
Fui fraco demais em ter-me revelado a ti através da minha mudez, porque jamais imaginaria que dominavas a capacidade de ler através das linhas do rosto, de te fundires com os traços que definem os estados de alma e atingires a definição máxima de nós próprios. És bárbaro e oco, és mais ambíguo do que o vento e mais volátil do que o ar, em ti toda a coisa do mundo parece banal, parece paisagens etéreas e desprovidas da essência da vida, em ti há o ser dum ditador que morreu há muito e inferniza o teu existir, fazendo com que o teu amor seja bélico, perigoso, atomicamente devastador. E a quem amas, pergunto eu? A ti, a mim, ao céu iluminado ou ao vazio sem luz? Pegaste nas minhas fraquezas e prendeste-as na arca dos sentimento gelados, selaste-a bem selada e mandaste-me para o horizonte de eventos dum buraco negro, na esperança de que eu deixe de ser aquele que te acompanha noite dia, a doce paixão que te alerta para a verdade que recusas reconhecer, sim, eu sou o verdadeiro demónio que atrofia a tua maldade, e faço-o com toda a bondade da terra a irradiar-me das mãos, elas brilham de tal forma que a tua atracção pelo abismo enfraquece, obrigando-te a libertar os fracos que optaram por entregar as suas existências extenuantes a ti, para que os guie para o nada, para o vazio, para o inferno de silêncio das almas fracas que optam por abdicar…. De quê… dá vida, da angústia constante que aumenta de manhã quando o sol se ergue e o corpo repele o repouso da cama. Mas o meu corpo não repele a cama, o meu corpo clama e mal diz a cama, estou ás portas do desespero tal é a indefinição que motiva o meu corpo. Quer repouso e quer agitação, tudo em horas baralhadas, em períodos que não deveria quer, durmo de dia, em duas horas de relaxamento e transbordo-me de energia à noite, longa e silenciosa, para ficar a ver o relógio passar e as estrelas a cruzarem a esfera celestial, cheias de pesar, cheias de dor porque o meu amor está disperso pela incapacidade de relaxar ou reflectir.
Devaneios, devaneios soltos e perdidos que não se aprisionam no fundo da consciência e me obrigam a noites de infâmia e desatino. Licantropia? Será Licantropia, não, não acredito na Licantropia, o lobo que há em mim existe desde sempre, é a herança de minha mãe para o meu sofrimento, para a minha solidão, para a minha incomunicabilidade, para o odio aos seres humanos e para o receio que sinto deles. Choram crianças que quero proteger. Elas são inocentes, não tomaram a cápsula da humanidade que promete a maldade e o egoísmo eternos. Alguém compreender que é esse o segredo que ninguém ousa proferir, a blasfémia máxima assim considerada pelos homens maus.
O términos da luz, é aqui ao meu lado, com pétalas a desprenderem-se das flores e sangue a jorrar dos caules, são momentos atribuídos à graça divina que completam a sobrevivência a preto e branco. Eu não quero acreditar, recuso-me a acreditar e sou jogado a um canto enquanto as pobres flores padecem.
Vou chorar, chorar, chorar de alegria. Vou chorar eternamente em nome da alegria que nunca tive, que sempre recusou contemplar-me, que foge de mim a sete pés sem me contar os motivos que a levam a tomar essa atitude. Eu acredito nos meus olhos que mentem mais do que os homens, que me mostram paraísos inesgotavelmente belos que não existem a não ser na minha imaginação. Mas eu continuo na minha demanda pelos anos-luz de distância que me afundam das minhas irmãs iluminadas, quentes e cansadas. É a única razão para me manter firme a esta terra. Eu solto os ouvidos e ouço o silêncio, e ele guia-me lentamente para o lugar que eu deveria ocupar no espaço sideral, e eu esforço-me por chegar lá, mas há braços e cabeças que aparecem da terra e agarram-me veemente, não me querem deixar partir. Assim eu não consigo rumar a minha vida, enfraqueço e perco as asas que me possibilitariam voar, ohhh, já não sei voar, que maldito fim, tive as asas e esqueci de como hei-de voar.
É esta a minha escuridão, é melhor do que teria sido, fria, sozinha, fraca, presa a aquilo que desejei e não consegui alcançar, deixo os meus olhos para trás e eles encaminham-se para um espelho que me pergunta “vais desistir. Não te vou perdoar e jamais te permitirei o céu, tudo o que consegues tocar é o horizonte e jamais passarás para lá do horizonte”. Foi isso, tive sonhos de voar e voei demasiado perto das estrelas, sou o Ícaro dos tempos modernos que não escutou os avisos silenciosos das almas penadas que me ladeiam soturnas e espectrais.
Crucificaram-me na minha cama, com pregos e tudo, consomem-me a minha energia vital e celebram a minha derrota, frio desfecho. Eu queria ser crucificado à moda antiga, pagar pelos pecados dos outros na mais profunda agonia, queria pregar pela verdade que ninguém encontrará, porque, depois de mim, o silêncio críptico reinara. Já não acredito em quem sou ou no que seria se ascendesse às estrelas. Precisava de unhas para me agarrar à esperança, mas afinal a esperança é líquida e unhas não serviriam de nada, só atrapalhariam. Agora devo nadar e não escalar, falar eternamente para jamais calar. Quero penitenciar-me dos pecados, limpar-me deste destino… Quero que a minha divindade se solte das noções que foram crucificadas pela figura da viúva que chorava por mim enquanto eu decaía ao esquecimento. Estou sem forças. O combate deixou-se exausto, estendido numa cama, sem vontade de dormir, apenas me resta a vontade de voar.
terça-feira, julho 15, 2008
os Eus (catarse II)
Voltei de além consciência, pronto para te enfrentar novamente, vazio de receios, repleto de vontade, na posse dos dons de raciocínio que me distinguem de ti, meu eu da contradição. Julgas que podes simplesmente atacar-me com as imperfeições que me compõe, dizer-me realidades que tanto me ferem, enumerá-los de forma violenta e crua e esperar que eu aceite as coisas assim, passivamente, sem contradizer nem refutar, sem abrir a porta ás idiossincrasias do meu coração, o sentimento, a única coisa que tenho que me torna diferente de ti. Enganas-te redondamente. Eu sou mais, ultrapasso o defeito, eu sou muito mais, tanto mais que não consegues chegar tão alto, eu sou Eu, Deus, o Olimpo feito em corpo humano, as virtudes e os defeitos divinos, eu sou a Luz, a omnipresença, a omnisciência, a totalidade, eu posso poder ou querer, sem contestação, sem impedimento, eu vivo de viver nas vossas mentes, de as constranger e as remeter ao desconhecimento, eu sou maior do que a vida. Na verdade, tu nem chegas a ser por completo. És uma imagem desfocada de mim, um vulto castigado que anseia por ocupar o meu lugar à direita do Pai, um ser cuja inveja obriga e leva a tudo, sem ponderação nem compreensão, um mal que existe para dificultar o trilhar da minha vontade à ascese máxima, ao Paraíso dos homens, um sopro melancólico que flutua ao sabor da loucura sem jamais livrar-se da sua incapacidade, tomando destinos e colhendo saudades, és fogo morto que revive das fraquezas e não me deixo tentar por ti. Imagina, foi a mim que Deus escolheu para carregar a tocha, a luz primordial, o primeiro raio que brotou das reacções atómicas primevas que aconteceram na juventude do universo, foi-me confiado esse desígnio, sem direito a opção, que prontamente aceitei e tão arduamente tenho cumprido. Tu querias apagar a chama, apagar tudo o que reluz no Universo, deitar às trevas toda a coisa que é, sem piedade nem arrependimento, querias apagar as galáxias apagando as estrelas, querias apagar as estrelas que alimentam e fecundam o órgão reprodutor dos planetas, querias acabar com esta vida, com aquela vida, indiferentemente, querias por termo ao elo que liga a simples molécula composta à mais pura e incontrolável inteligência.
Ouço-te a arranhar as cordas do violino, queres levar-me para o sono eterno, não, não vais conseguir, eu jamais deixar-me-ei encantar novamente, nem que para isso seja necessário combater-te com a veemente energia vital que experimento percorrer-me o corpo de uma ponta à outra. É belo, reconheço, é belo por demais, é tão belo que me prende lentamente a uma espiral de turvas sensações. Oh, tu sabe que me apraz este sentimento inesperadamente hipnótico, sabes que não declino um belo deambular de cordas dedilhadas com arte, que nem mesmo o meu amor pelo universo pode quebrar a grandiosidade da ilusão que crias, e eu queria combater-te. Onde estás, Deus, neste momento em que a tua intervenção é necessária? Para onde foste? Porque me largaste? Estás disposto a legar-me à minha sorte, sem me favoreceres com quaisquer espécies de ajuda, mesmo sabendo que enfrento aquele que te odeia acima de qualquer coisa, aquele que escarnece de ti, que te acusa de impotência para com os desígnios do universo, do teu maior inimigo, de mim.
É impossível, não estou à majestade dele, ele é imoderadamente poderoso para mim, o seu dedilhar de cordas, a melodia bela, eu quero confiar nela, porque ela diz que me ama, mas eu desconheço o seu significado de amor, … Deus, nascem-me flores aos pés sem cessar. Mais e não me conseguirei libertar, sair desta sepultura de flores tão perfeitamente erguida, e talvez é mesmo isso, estou a ser sepultado para repousar na eternidade banhado em flores. É a minha medida, é a minha urna. É o som, o som melódico que me veicula espirais está a mudar, a ganhar pesar, não há ninguém que queira ou possa interferir. Ninguém pode. Como poderia alguém envolver-se numa magia e encantamento que ocorreu ao mais profundo terreno escorregadio da minha consciência. O meu interior está em alvoroço e não há ajudas, ninguém quer saber do bastardo de Deus que não tem forças para sequer encarar a tentação e o demónio.
Que fraca imagem que tens de ti próprio, bastardo dos Deuses. Eu sei que o teu maior desejo, maior mesmo do que o amor que sentes pelas poucas pessoas que conseguiram deslindar o teu coração, é alcançares a divindade e ascenderes à imortalidade do céu. E és tão prepotente em achar que todos que vivem, na terra, na via láctea, em Andrómeda, todos que existem no universo tomaram o teu partido e seguir-te-ão. Meu bastardo dos Deuses, que, por demasiada imperfeição, foste feito homem, de carne e osso, e pior, de corpo e alma. Estás destinado a suportar as sevícias que são impostas aos humanos, a confortá-los nos momentos de dor, a alegrares-te quando os vês alegres, mesmo que no mais profundo íntimo não consigas rir, a compartilham os seus feitos idiotas, a cair de felicidade quando algum alcança algo ou ultrapassa uma barreira, e eu sei que não acreditas na felicidade, nunca acreditas-te, por achares que a felicidade é um segundo apenas na hora da vida dos homens. O restante é tristeza, sofrimento, solidão, angustia, sentimentos dolorosos e negros. Querias inverter o sentido do relógio do sentimento, mudar a história da humanidade. Bastardo que choras a prantos pelos actos dos homens, que vives com um coração de homem, que amas a humanidade, jamais serás Deus enquanto não te libertares do coração humano, do amor e da paixão, da empatia e da comiseração. Não és Deus… és homem.
segunda-feira, julho 14, 2008
O deflagrar da purificação pelo sangue (catarse)
E as pessoas que amei? As pessoas que deram o corpo e a alma pela minha satisfação, sem em momento algum exigirem qualquer coisa em troca, que se limitavam a dar o seu auxílio na resolução dos meus problemas, da minha angústia, da minha desmotivação de viver, merecerão que eu as abandone, que abandone a terra por capricho pessoal, sem que me retrate perante aquilo que me deram? Será justo deixa a terra, deitá-la ao olvido, voar pelo caminho inter dimensional que culmina no grandioso cosmos silencioso, viver como vivem as estrelas e em momento nenhum recordar aqueles que preferiram não viver em função da minha existência, de torna-la mais aprazível, daqueles que abdicaram de muito por tão pouco que eu exigia?
Quero voltar para trás, dizer-lhe de alma aberta que as amo, que sempre as amei, que o Paulo que conheceram era uma encenação, um protagonista sofredor na peça do próprio criador, que nada tinha de verdadeiro a não ser a imagem que ostentava, quando, silencioso, se aninhava sob os braços serpenteantes dum chorão, esse Paulo é um holograma real que criei para afastar de mim tudo aquilo que temi que me ferisse, física e espiritualmente. Eu abdiquei do conforto da amizade, da segurança da família, da oportunidade da sociedade para me tornar um monstro, sim, é isso que sou, um monstro monstruoso que vive em função de si próprio, que relega a vida de todos os entes queridos ao esquecimento por achar que todas elas são menores do que a sua, que não têm importância, que são inferiores a todos os níveis, que existem para me servirem.
Não vou jogar-me do abismo, não posso fazê-lo e deixa-los a todos para trás, seria de uma falta de reconhecimento e de uma ingratidão incalculáveis. Devo muito ao mundo, ao meu mundo, que é tão pequenino e ao mesmo tempo descomunalmente grandioso, onde há, … amor, amor por mim, amor que rejeito com escárnio melancólico estampado na cara, amor que brota das pessoas mais incríveis que existem na minha vida e que abdicariam das suas vidas em função da minha.