segunda-feira, julho 28, 2008

Viagem entre duas estrelas

Os sons daquela estranha terra vêem para mim de maneira gradual, sem me dar qualquer hipótese de fuga, tempo para pensar na melhor forma de os evitar, e começam a subir de tom, a tornarem-se mais complexos, até que se fundem numa vastíssima mistura de faíscas cósmicas sonoros capazes de destruir até o cérebro mais pujante. Ascensões súbitas, quedas repentinas, longos caminhos na vertical, à velocidade do som, alternados com travagens bruscas e explosões de novas direcções, não estranhamente horizontais. Só me resta tempo para dizer, segue-me e acompanha-me na dor.
Eis um novo som a emergir do mais cavado do meu cosmos. Ele cresce lentamente e capta a minha atenção, vive alimentando-se da minha essência, e que robustez de barulhos confusos tão intricadamente tricotados que, não raras vezes, chega a roçar uma ode sonora, uma ópera, é isso, mesmo não possuindo características que o insiram neste género musical, a gracilidade dos seus sons chegam a roçar o mais profundo e complexo que se conhece da ópera. E vozes cósmicas, tecnologicamente insondadas entrepõe-se entre a harmonia celeste desta composição para guiá-la numa direcção inteiramente diferente, no sentido da estrela mais contígua ao sol e posso segui-la, à mesma velocidade, com a mesma elegância, com o mesmo sentido de ausentar-me das imediações do planeta. Mas há vozes bárbaras que acompanham o som, imprimindo-lhe qualquer coisa de obsoleto, que modificam-lhe a fórmula e o fazem divagar num friso cronológico da história do meu planeta. E surge mais um sample hipnótico para martirizar os meus sentidos sem piedade, o meu corpo ressente-se, torce-se, esmaga e expande, tudo num fundo cénico que cria uma ponte entre eras longínquas e eras inatacáveis, e os actores surgem, vêm vestidos de veludos, couros e linhos, e trazem os olhos cobertos em materiais sintéticos, assim como sintéticos sãos os seus adereços. Que peça é esta, quem foi o maldito criador desta encenação que me confunde, que aumenta a entropia em meu redor, quem é o condenado, eu não quero comprimir, diminuir, implodir na confusão. Quero servir-me do som e expandir-me, crescer, voar daqui para fora, cruzar o espaço e o tempo a uma velocidade ilimitada, por favor, ajudem-me e não me deixem ficar para trás, deitado à constrição, à pequenez, a introspecção e à loucura. Levem-me convosco e deixe-me tomar a dianteira do som que segue em direcção à próxima estrela, à estrela que se segue ao sol, ao nosso último destino.
Está-me a falhar a oralidade, a sintaxe, a semântica, as palavras surgem livres do interior mais recôndito da minha memória e projectam-se à velocidade da luz numa folha, a confusão é atroz e limitativa, os movimentos do corpo já não seguem ao controlo do meu sistema nervoso central e os caracteres estão a metamorfosear-se à frente dos meus olhos e o som alterna a ritmos pouco elegantes entre o obsoleto e o vanguardista, ai que os nervos estão a atrapalhar-me na minha tentativa de sair do planeta ainda hoje. Eu já estava a ascender, de vagar, eu sei, mas o vazio da descolagem já se fazia sentir nas minhas entranhas, estava a perder a sensação da gravidade da terra a puxar-me para si, e agora continuo a ascender, e conto com a ajuda da confusão que vai sendo orquestrada lindamente pela miríade de sons antagónicos que se misturam na melodia que leva os homens para as outras estrelas.
Pedras, estão a cair pedras do céu, e a que velocidades viajam, meu Deus, conseguem viajar mais depressa do que o meu corpo, que já ia embalado na velocidade supersónica da melodia rebuscada e confusa que me servia de propulsão. Eu queria seguir no sentido inverso ao das pedras que caem, mas a sua velocidade prendeu-me, encantou-me e deixou-me no meu coração a vontade de viajar com elas, de comprimir novamente e deixar-me amarrar pelos braços gravitacionais que ladeiam a terra. Indecisão neste momento é que não. Não quero ficar sem saber o que quero realmente, porque a minha primeira opção é aquela que tem que prevalecer, quero partir para a estrela mais próxima e voar a uma velocidade próxima da velocidade da luz e ouvir, ao longe, a bela melodia pluritemporal que me impulsionou para os ares.
É noite, a barreira azul do céu dissipou-se, esqueci as dores, os medos e todas as coisas que me faziam sofrer, a partir de agora é para a frente, seguindo o som do futuro e as melodias do passado em direcção ao desconhecido. A escuridão do cosmos murmura votos de boa viagem, não é tempo de hesitar, a velocidade aumenta de forma louca e é tarde para pensar, o espaço parou, tudo parou, e só a música mantém a sua presença inalterada, e vejam a terra, azul e magnifica, que coragem temos em deixá-la para trás, mas não é de nós que ela precisa… não. Precisa de quem a ame e de quem a estime e nós já não somos capazes de o fazer, passamos dessa fase motivados pelo nosso egoísmo e desejo de expansão. Vamos, jamais voltaremos, ou talvez um dia possamos voltar, quando reaprendermos a amá-la na medida em que ela merece, vamos, sem recordações ou lamentações, a estrela mais próxima é o nosso destino e nada o pode mudar.

sexta-feira, julho 25, 2008

Quarto Vazio

Hoje vieste sem avisar, bateste à porta e entraste sem pedir permissão. Mais um abuso. Não fui capaz de te negar a entrada, porque, confesso, sem ti toda a minha subsistência perde a razão, fico limitado a experiências que abomino experimentar e corro de modo desesperado para a falésia que divide a vida da morte. Não te quero e não consigo viver sem ti, é um estranho antagonismo para o qual não encontro resoluções, soluções viáveis que tornassem mais fácil esta ambiguidade mórbida que comanda a nossa existência enquanto eternos inimigos. A chuva cai no coração destes malditos sem piedade, contamina-os de ácidos nocivos e químicos letais ao sistema biológico humano, e tudo permanece como era, ainda o sol reinava lá no manto de moléculas que sustentam esta vida. Sim, estava longe demais, tão longe que a sua luz, seguindo à velocidade normal, demoraria 8.4 minutos a atingir-me. Deus sabe o quanto quis e me esforcei por diminuir essa distância, o quanto queria ser eu próprio o emissor da luz, ter uma vida longa na companhia dos meus astros, presas inexoráveis da minha atracção gravitacional, e com eles bailar segundo danças cósmicas que não contemplam a compreensão humana, Deus sabe como quero irradiar-me de ti.
Eu já ganhei um abrigo, criei-o com toda a arte e sabedoria que acumulei de pessoas que padeceram da mesma inconstância do que eu, mas tu consegues sempre superá-los e entras silenciosamente, com um pesar profundo nos olhos que me transmite medo, receio, dúvida, só que não posso negar-te e simplesmente ignorar-te, sabendo que és uma das partes mais prementes da minha personalidade, não posso evitar-te quando sei que estás aqui, mais intrínseco ou mais extrínseco, estás aqui, no céu generoso que conquistei aos anjos e nos campos sangrentos que ganhei nas derrotas sobre as bestas.
Dá-me nomes, enche-me de lamentos, de pesares, trata-me da maneira mais rude que conseguires, faz-me lembrar que és de mim e que jamais serás de outro alguém, envolve-me no som dos sinos da igreja que vociferam o meu requiem, e, por favor, morre comigo. Estou sem forças, não há apoios resistentes dentro de mim onde me possa apoiar, ainda por cima cortaram-me as unhas e crucificaram-me sobre uma cruz de noções estranhas sobre as quais levantei a minha conduta. Mas não existe conduta, a existir, existe uma profunda apatia e um humor terrível que não mudo e não quero mudar, porque eu sou apático, alienado, não quero gente, não quero barulho, não quero sorrisos, não quero sonhos belos, nem quero neve a cair-me sobre os pés. Estou soterrado em noções estranhas que ganharam vida de uma cruz de madeira que me ampara uma das paredes da cela. Cicatrizes surgem-me nas mãos e dá-me vontade de chamar a viúva que congeminou a minha queda e a morte que nos alimentou a todos, foi por elas que perdi o controlo do meu eu e me deixei subjugar pelo meu id, a elas devo a minha queda e a ressonância dos meus pecados. Sou recalcado, recalcado, frustrado, atormentado por lembranças esquecidas de lendas que viviam nos meus tempos de infância, na adolescência, na idade adulta, na velhice e na morte. Serei eternamente recalcado, no passado ou no futuro, nunca no presente, porque assumo que fui recalcado e que serei recalcado e que eu próprio me recalco neste momento para padecer de mais recalcamentos. Tenho uma câmara aberta para mim, num chão com falsos e aberturas, não sei que fazer dela, embora ouça estranhos lamurios que se elevam do seu interior, dizem “Guiar-te-emos à corrupção dos anjos”, “Amarás a corrupção dos anjos como jamais amastes as coisas da terra”. São factos de sítios secretos que não conheço, nem quero ouvir falar, mas que se apresentam e se oferecem para matar-me a pele e os pecados, para eliminar para sempre a minha tristeza, querem que eu disponibilize a minha moral e a minha ética, sonham em ver-me esvaziado de pilares que guiem condutas aceitáveis para que a minha degeneração seja completa, incontestável, inexorável, bárbara e final.
Os meus olhos optam por se esconder, tal é a confusão entre tempos verbais e tempo dos homens que me vai na alma. Estão cansados de devaneios tristes e infrutíferos, querem abdicar de mim, e certamente não voltarei a ver as coisas do mundo dos homens nem as coisas do mundo dos anjos. A minha alma será purificada, mas os meus olhos estão condenados à eternidade da escuridão, não há nada que o meu interior possa fazer para alterar as modificações que ocorrem ao nível do exterior do meu corpo, embora seja dele a responsabilidade de tal destruição. Vento, vento, vento artificial que me consolas a face, vento das máquinas humanas que tens para me dizer? Esse sopro diz tão pouco e de forma tão complexa que os meus sentidos de homem começam a perder em qualidade para as tuas vocalizações, vou para baixo do reino dos homens, é isso que pretendes dizer e que eu, com muito esforço, não consigo compreender. As minhas pernas rangem de inércia, as articulações dão estalidos estranhos que indicam pouco movimento, e eu crente na agitação do meu dia a dia, imbecilidade, se eu nem sequer me movi um milímetro e assisto à reposição adiantada da minha vida sem sequer abrir os olhos. É demasiado complicado, está-me a brilhar dentro do coração e eu tenho fé na sua luz, mas as trevas avançam a velocidades próximas da velocidade da luz e rapidamente cairei na escuridão, é um sacrifício, dizem-me vozes, quem são, ninguém, sempre ninguém, vozes que não pertencem a ninguém.

segunda-feira, julho 21, 2008

O conhecimento e o momento

Estamos juntos desde sempre. Lembro-me da primeira vez em que o nosso corpo irradiou os primeiros raios de luz no firmamento do indivisível. Que momento mágico, duas estrelas que explodiram para o brilho ao mesmo tempo, sem precisarem de planeamento ou programação, porque a casualidade encarrega-se sempre de criar coincidências tremendamente intrigantes, factos que não podem ser explicados senão pelo acaso, pelo destino e pelas explicações metafísicas que proliferam e edificam o mundo dos homens.
É impressionante o poder duma conjugação de ápices cósmicos que não podem ser justificados ou perfeitamente compreendidos. É como se houvesse, oculto na escuridão infinita da matéria e antimatéria, um Deus que comandasse o nosso aparecimento, de forma a que ambos os surgimentos se dessem rigorosamente no mesmo nano segundo, num período de tempo infinitamente pequeno e preciso que só pode ser contabilizado pelo complexo relógio da história do universo.
Estranho, se não há Deus, como é que como a história do universo decorre com tanta precisão, e as coisas surgem, crescem e desaparecem de maneiras tão semelhantes? Isto não pode ser assim, não podemos simplesmente afirmar que não há Deus, quando tudo aquilo que conhecemos nos faz o favor de mostrar que estamos redondamente enganados, que as nossas suposições são erradas e que apenas queremos destruir as concepções de um universo que foram edificadas segundo padrões que brotaram do cerne da capacidade para divagar pelo universo no interior da mente humana. Será que essas concepções de homens antigos e sábios seriam assim tão incorrectas? Não estaremos a negligenciar uma das maiores capacidades da humanidade e da vida em geral, isto para não afirmar insolentemente que essa capacidade existe muito para além da vida, nas coisas que não vivem duma anima intrincada?
Nós podemos aceder à biblioteca infinita da história do universo que existe na mais ínfima partícula de tudo. Há uma memória impenetrável oculta pela pequenez do conhecimento humano e que permanece, firme e silenciosa, nas órbitas pequenas e velozes dum electrão, na cisões dos neutrões, lembranças do tempo em que o nosso universo era o universo de acontecimentos perdidos que ficaram eternamente ligadas à matéria que venceu a guerra e que originou o tudo onde estamos, que vemos e não vemos, que cheiramos e tocamos, que vivemos através do sétimo sentido. Porque é que recusamos dar credibilidade a essa habilidade nata, que existe devido aos insondáveis desígnios do cosmos e que dispensa qualquer esforço e empenhamento humanos? Porque é que limitamos o nosso conhecimento àquilo que surge directamente da suposta capacidade racional do ser humano, edificada em observações, experimentações, hipóteses e validações? Porque é que não acreditamos no que nos é bondosamente legado pelo sentimento, pelos sentidos e pelo instinto?
É que é a única forma que me parece viável de combater o marasmo e o aborrecimento da forma de construção do conhecimento humano, que obriga a maioria a parar a meio pela incapacidade de acompanhar a maré. O conhecimento é para todos e a melhor forma de isto se efectivar é pela universalização do conhecimento emocional, instintivo, amarrado a anos e anos de combustão estelar, a viagens inacabáveis pelo vazio, até mesmo pela selecção natural, pela evolução, um conhecimento cujo o começo se perdeu na irrecuperável história do universo, é essa a última etapa da demanda do ser humano pela teoria de tudo, o conhecimento nato que evita as fases do velhinho conhecimento científico e que recupera as incompreensões e as razões superiores do velhinho conhecimento metafísico. Esperemos que o homem não se afunde no inferno que existe no fim da demanda pelo conhecimento científico final e se arrependa de ter relegado o lado mágico, sensorial, espiritual, enigmático, misterioso e todos os outros adjectivos com carga indecifrável que conhecemos para o fundo do baú dos paradigmas da história.
Eu começo a despertar lentamente para esse conhecimento que não precisa de conhecimento, que flúi livremente de cada célula viva que existe comigo, dos átomos que cimentam essas células e dos quarks que sustentam os átomos. Eu não preciso me deslocar deste local onde permaneço à tanto tempo que o tempo se transformou em eternidade, eu sinto-o a abordar-me livremente, deixo-o entrar, choro por ele, riu com ele, existo em seu respeito e aprecio a totalidade da experiência universal sem grande esforço. Serei um privilegiado, um escolhido, ou um mero parvo que não despertou para a realidade pelo medo que esta lhe provoca?
Começo a olhar fracamente para o ócio com olhos de ver, e alcanço a estupidez que é o princípio basilar do capitalismo, a obrigação estúpida de ocupar o tempo de forma útil para o benefício de outros que não eu. Sim, o ócio, a ausência de esforço físico, a contemplação do universo sem movimentos incomodativos ou barulhos inconvenientes, para que ele se abra para nós com todo o seu esplendor, para que vivamos a grandiosidade que é fazer parte de algo maior do que a estranha realidade a que chamamos de nossa. Não a quero para mim. Prefiro receber e aceitar com prazer os ensinamentos dos meus antepassados sábios que professavam a existência de um Deus que guiava tudo segundo desígnios proibidos à maioria da humanidade.
Que quantidade formidável de exemplos que a ganância do ser humano pelo conhecimento supostamente lógico destruiu. São tantos e tão importantes que vou limitar a minha vida a esses sentimentos puros e belos, calorosos e confortantes, que limitam a vida a atitudes, comportamentos e ideias simples, inofensivas, alvas do cerne até ao extrínseco. Fui me neste preciso momento.
Esvaziou-se a bateria física que continua a ser a causadora da minha incapacidade de explodir, de desintegrar-me e fundir-me com tudo. Tristeza, tristeza, ainda sou um homem.

quinta-feira, julho 17, 2008

Soluções, baixar os braços, fechar os olhos, entrar em combustão


Choram-me os olhos de modéstia. Lamento não ter consigo afastar-te de mim para ascender definitivamente aos céus de luz, mas és mais forte do que eu, tens poderes aos quais não consigo abarcar, és dono da música mágica e da cara de anjo, e sei que vais ser a maior estrela que o universo já viu, meu demónio maldito, serás a estrela da morte, não tenho dúvidas. Consumirás toda a luz sem temor nem piedade, e em torno de ti haverá o sombrio, o gélido, o mutismo e o desabitado, a pressão e a gravidade infinitas, nada poder-te-á resistir, e fico sem palavras enquanto te observo a subir, a subir, a rasgar a linha de azul que nos envolve, e a subir.
Fui fraco demais em ter-me revelado a ti através da minha mudez, porque jamais imaginaria que dominavas a capacidade de ler através das linhas do rosto, de te fundires com os traços que definem os estados de alma e atingires a definição máxima de nós próprios. És bárbaro e oco, és mais ambíguo do que o vento e mais volátil do que o ar, em ti toda a coisa do mundo parece banal, parece paisagens etéreas e desprovidas da essência da vida, em ti há o ser dum ditador que morreu há muito e inferniza o teu existir, fazendo com que o teu amor seja bélico, perigoso, atomicamente devastador. E a quem amas, pergunto eu? A ti, a mim, ao céu iluminado ou ao vazio sem luz? Pegaste nas minhas fraquezas e prendeste-as na arca dos sentimento gelados, selaste-a bem selada e mandaste-me para o horizonte de eventos dum buraco negro, na esperança de que eu deixe de ser aquele que te acompanha noite dia, a doce paixão que te alerta para a verdade que recusas reconhecer, sim, eu sou o verdadeiro demónio que atrofia a tua maldade, e faço-o com toda a bondade da terra a irradiar-me das mãos, elas brilham de tal forma que a tua atracção pelo abismo enfraquece, obrigando-te a libertar os fracos que optaram por entregar as suas existências extenuantes a ti, para que os guie para o nada, para o vazio, para o inferno de silêncio das almas fracas que optam por abdicar…. De quê… dá vida, da angústia constante que aumenta de manhã quando o sol se ergue e o corpo repele o repouso da cama. Mas o meu corpo não repele a cama, o meu corpo clama e mal diz a cama, estou ás portas do desespero tal é a indefinição que motiva o meu corpo. Quer repouso e quer agitação, tudo em horas baralhadas, em períodos que não deveria quer, durmo de dia, em duas horas de relaxamento e transbordo-me de energia à noite, longa e silenciosa, para ficar a ver o relógio passar e as estrelas a cruzarem a esfera celestial, cheias de pesar, cheias de dor porque o meu amor está disperso pela incapacidade de relaxar ou reflectir.
Devaneios, devaneios soltos e perdidos que não se aprisionam no fundo da consciência e me obrigam a noites de infâmia e desatino. Licantropia? Será Licantropia, não, não acredito na Licantropia, o lobo que há em mim existe desde sempre, é a herança de minha mãe para o meu sofrimento, para a minha solidão, para a minha incomunicabilidade, para o odio aos seres humanos e para o receio que sinto deles. Choram crianças que quero proteger. Elas são inocentes, não tomaram a cápsula da humanidade que promete a maldade e o egoísmo eternos. Alguém compreender que é esse o segredo que ninguém ousa proferir, a blasfémia máxima assim considerada pelos homens maus.
O términos da luz, é aqui ao meu lado, com pétalas a desprenderem-se das flores e sangue a jorrar dos caules, são momentos atribuídos à graça divina que completam a sobrevivência a preto e branco. Eu não quero acreditar, recuso-me a acreditar e sou jogado a um canto enquanto as pobres flores padecem.
Vou chorar, chorar, chorar de alegria. Vou chorar eternamente em nome da alegria que nunca tive, que sempre recusou contemplar-me, que foge de mim a sete pés sem me contar os motivos que a levam a tomar essa atitude. Eu acredito nos meus olhos que mentem mais do que os homens, que me mostram paraísos inesgotavelmente belos que não existem a não ser na minha imaginação. Mas eu continuo na minha demanda pelos anos-luz de distância que me afundam das minhas irmãs iluminadas, quentes e cansadas. É a única razão para me manter firme a esta terra. Eu solto os ouvidos e ouço o silêncio, e ele guia-me lentamente para o lugar que eu deveria ocupar no espaço sideral, e eu esforço-me por chegar lá, mas há braços e cabeças que aparecem da terra e agarram-me veemente, não me querem deixar partir. Assim eu não consigo rumar a minha vida, enfraqueço e perco as asas que me possibilitariam voar, ohhh, já não sei voar, que maldito fim, tive as asas e esqueci de como hei-de voar.
É esta a minha escuridão, é melhor do que teria sido, fria, sozinha, fraca, presa a aquilo que desejei e não consegui alcançar, deixo os meus olhos para trás e eles encaminham-se para um espelho que me pergunta “vais desistir. Não te vou perdoar e jamais te permitirei o céu, tudo o que consegues tocar é o horizonte e jamais passarás para lá do horizonte”. Foi isso, tive sonhos de voar e voei demasiado perto das estrelas, sou o Ícaro dos tempos modernos que não escutou os avisos silenciosos das almas penadas que me ladeiam soturnas e espectrais.
Crucificaram-me na minha cama, com pregos e tudo, consomem-me a minha energia vital e celebram a minha derrota, frio desfecho. Eu queria ser crucificado à moda antiga, pagar pelos pecados dos outros na mais profunda agonia, queria pregar pela verdade que ninguém encontrará, porque, depois de mim, o silêncio críptico reinara. Já não acredito em quem sou ou no que seria se ascendesse às estrelas. Precisava de unhas para me agarrar à esperança, mas afinal a esperança é líquida e unhas não serviriam de nada, só atrapalhariam. Agora devo nadar e não escalar, falar eternamente para jamais calar. Quero penitenciar-me dos pecados, limpar-me deste destino… Quero que a minha divindade se solte das noções que foram crucificadas pela figura da viúva que chorava por mim enquanto eu decaía ao esquecimento. Estou sem forças. O combate deixou-se exausto, estendido numa cama, sem vontade de dormir, apenas me resta a vontade de voar.

terça-feira, julho 15, 2008

os Eus (catarse II)

Voltei de além consciência, pronto para te enfrentar novamente, vazio de receios, repleto de vontade, na posse dos dons de raciocínio que me distinguem de ti, meu eu da contradição. Julgas que podes simplesmente atacar-me com as imperfeições que me compõe, dizer-me realidades que tanto me ferem, enumerá-los de forma violenta e crua e esperar que eu aceite as coisas assim, passivamente, sem contradizer nem refutar, sem abrir a porta ás idiossincrasias do meu coração, o sentimento, a única coisa que tenho que me torna diferente de ti. Enganas-te redondamente. Eu sou mais, ultrapasso o defeito, eu sou muito mais, tanto mais que não consegues chegar tão alto, eu sou Eu, Deus, o Olimpo feito em corpo humano, as virtudes e os defeitos divinos, eu sou a Luz, a omnipresença, a omnisciência, a totalidade, eu posso poder ou querer, sem contestação, sem impedimento, eu vivo de viver nas vossas mentes, de as constranger e as remeter ao desconhecimento, eu sou maior do que a vida. Na verdade, tu nem chegas a ser por completo. És uma imagem desfocada de mim, um vulto castigado que anseia por ocupar o meu lugar à direita do Pai, um ser cuja inveja obriga e leva a tudo, sem ponderação nem compreensão, um mal que existe para dificultar o trilhar da minha vontade à ascese máxima, ao Paraíso dos homens, um sopro melancólico que flutua ao sabor da loucura sem jamais livrar-se da sua incapacidade, tomando destinos e colhendo saudades, és fogo morto que revive das fraquezas e não me deixo tentar por ti. Imagina, foi a mim que Deus escolheu para carregar a tocha, a luz primordial, o primeiro raio que brotou das reacções atómicas primevas que aconteceram na juventude do universo, foi-me confiado esse desígnio, sem direito a opção, que prontamente aceitei e tão arduamente tenho cumprido. Tu querias apagar a chama, apagar tudo o que reluz no Universo, deitar às trevas toda a coisa que é, sem piedade nem arrependimento, querias apagar as galáxias apagando as estrelas, querias apagar as estrelas que alimentam e fecundam o órgão reprodutor dos planetas, querias acabar com esta vida, com aquela vida, indiferentemente, querias por termo ao elo que liga a simples molécula composta à mais pura e incontrolável inteligência.
Ouço-te a arranhar as cordas do violino, queres levar-me para o sono eterno, não, não vais conseguir, eu jamais deixar-me-ei encantar novamente, nem que para isso seja necessário combater-te com a veemente energia vital que experimento percorrer-me o corpo de uma ponta à outra. É belo, reconheço, é belo por demais, é tão belo que me prende lentamente a uma espiral de turvas sensações. Oh, tu sabe que me apraz este sentimento inesperadamente hipnótico, sabes que não declino um belo deambular de cordas dedilhadas com arte, que nem mesmo o meu amor pelo universo pode quebrar a grandiosidade da ilusão que crias, e eu queria combater-te. Onde estás, Deus, neste momento em que a tua intervenção é necessária? Para onde foste? Porque me largaste? Estás disposto a legar-me à minha sorte, sem me favoreceres com quaisquer espécies de ajuda, mesmo sabendo que enfrento aquele que te odeia acima de qualquer coisa, aquele que escarnece de ti, que te acusa de impotência para com os desígnios do universo, do teu maior inimigo, de mim.
É impossível, não estou à majestade dele, ele é imoderadamente poderoso para mim, o seu dedilhar de cordas, a melodia bela, eu quero confiar nela, porque ela diz que me ama, mas eu desconheço o seu significado de amor, … Deus, nascem-me flores aos pés sem cessar. Mais e não me conseguirei libertar, sair desta sepultura de flores tão perfeitamente erguida, e talvez é mesmo isso, estou a ser sepultado para repousar na eternidade banhado em flores. É a minha medida, é a minha urna. É o som, o som melódico que me veicula espirais está a mudar, a ganhar pesar, não há ninguém que queira ou possa interferir. Ninguém pode. Como poderia alguém envolver-se numa magia e encantamento que ocorreu ao mais profundo terreno escorregadio da minha consciência. O meu interior está em alvoroço e não há ajudas, ninguém quer saber do bastardo de Deus que não tem forças para sequer encarar a tentação e o demónio.
Que fraca imagem que tens de ti próprio, bastardo dos Deuses. Eu sei que o teu maior desejo, maior mesmo do que o amor que sentes pelas poucas pessoas que conseguiram deslindar o teu coração, é alcançares a divindade e ascenderes à imortalidade do céu. E és tão prepotente em achar que todos que vivem, na terra, na via láctea, em Andrómeda, todos que existem no universo tomaram o teu partido e seguir-te-ão. Meu bastardo dos Deuses, que, por demasiada imperfeição, foste feito homem, de carne e osso, e pior, de corpo e alma. Estás destinado a suportar as sevícias que são impostas aos humanos, a confortá-los nos momentos de dor, a alegrares-te quando os vês alegres, mesmo que no mais profundo íntimo não consigas rir, a compartilham os seus feitos idiotas, a cair de felicidade quando algum alcança algo ou ultrapassa uma barreira, e eu sei que não acreditas na felicidade, nunca acreditas-te, por achares que a felicidade é um segundo apenas na hora da vida dos homens. O restante é tristeza, sofrimento, solidão, angustia, sentimentos dolorosos e negros. Querias inverter o sentido do relógio do sentimento, mudar a história da humanidade. Bastardo que choras a prantos pelos actos dos homens, que vives com um coração de homem, que amas a humanidade, jamais serás Deus enquanto não te libertares do coração humano, do amor e da paixão, da empatia e da comiseração. Não és Deus… és homem.

segunda-feira, julho 14, 2008

O deflagrar da purificação pelo sangue (catarse)



Aqui estou eu novamente, defronte do abismo que alumiará o meu corpo à entrada para o mundo dos espíritos. É noite, o silêncio que jaz na minha última morada é lancinante, penetrante, tão inextrincável que chego a experimentar um ligeiro sentimento de descompostura e entejo, dá a ideia de que a vaga de som é capaz de esmagar o cérebro até um nível totalmente inumano, algo fisicamente e espiritualmente inatingível. Mas eu não posso deixar a terra e partir para a minha imortalidade cósmica sem que o som da terra, aquele som tão belo que é delicadamente composto pela água, pelo vento, pelas árvores, pelos animais, pelos ruídos imundos que florescem do mundo impuro dos humanos, sim, até o barulho da humanidade, esse ruído imoral, frígido, impessoal e apático, essa sensação de mecanização dos ânimos e dos sentimentos que nasce da audição ausente dos barulhos humanos, até dele sinto falta, se despeçam de mim em lágrimas, como as mães e as namoradas que vêem o filhos e amantes que partem para a guerra. Vou cair, tenho a certeza que vou cair, é uma verdade inviolável, a minha queda para o abismo das almas, que leva directamente à passagem oculta que liga o mundo dos homens à ataraxia universal, estou perto dela, a apenas uma passo de iniciar a viagem, de deixar para trás a terra que tanto odiei, o vazio espiritual, a falta de motivos para existir, a confusão constante e dilacerante, os sacrifícios que temi e que, com brio, cumpri, não por mim, nem num minuto sequer foi por mim. Tudo o que suportei aqui na terra, em silêncio e aceitação, foi por vocês minhas estrelas luzidas que acenais para mim desde que os primeiros raios de luz se imiscuíram na minha retina e foram concomitantemente processados pelo meu cérebro, sim, por vocês, pelo brilho protector que, dia após dia, ia recebendo de vós a cada noite contemplativa e sonhadora.
E as pessoas que amei? As pessoas que deram o corpo e a alma pela minha satisfação, sem em momento algum exigirem qualquer coisa em troca, que se limitavam a dar o seu auxílio na resolução dos meus problemas, da minha angústia, da minha desmotivação de viver, merecerão que eu as abandone, que abandone a terra por capricho pessoal, sem que me retrate perante aquilo que me deram? Será justo deixa a terra, deitá-la ao olvido, voar pelo caminho inter dimensional que culmina no grandioso cosmos silencioso, viver como vivem as estrelas e em momento nenhum recordar aqueles que preferiram não viver em função da minha existência, de torna-la mais aprazível, daqueles que abdicaram de muito por tão pouco que eu exigia?
Quero voltar para trás, dizer-lhe de alma aberta que as amo, que sempre as amei, que o Paulo que conheceram era uma encenação, um protagonista sofredor na peça do próprio criador, que nada tinha de verdadeiro a não ser a imagem que ostentava, quando, silencioso, se aninhava sob os braços serpenteantes dum chorão, esse Paulo é um holograma real que criei para afastar de mim tudo aquilo que temi que me ferisse, física e espiritualmente. Eu abdiquei do conforto da amizade, da segurança da família, da oportunidade da sociedade para me tornar um monstro, sim, é isso que sou, um monstro monstruoso que vive em função de si próprio, que relega a vida de todos os entes queridos ao esquecimento por achar que todas elas são menores do que a sua, que não têm importância, que são inferiores a todos os níveis, que existem para me servirem.
Oh, e agora? Não as consigo deter, não, elas brotam rubras dos meus olhos, e eu quero vê-las sair, por favor, quero que saiam para que eu constate o mal que fiz ao mundo, ao meu mundo, o sofrimento que espalhei, as conflitos que ordenei, o caos que ficou na vida das pessoas depois da minha passagem. Choro lágrimas de sangue por todos, de peito aberto, vestido de arrependimento e incapaz de dar a outra face. Deus, o que foi que eu fiz a esta gente? Eles amavam-me, dar-me-iam as suas vidas se assim eu quisesse e eu aceitei, sem pensar que ali existiam pessoas tão reais e concretas quanto eu, tão humanas quanto eu, com problemas como eu, não, com problemas, o meu problema é achar que tenho inúmeros problemas que carecem de soluções, só que as soluções não podem ser achadas na terra, porque a terra é demasiado pequena para poder ostentar soluções para os meus problemas, que se aproximam vagamente do divino e que, não, não, os meus problemas são divinos, eu sou um Deus e quero o céu para mim, quero viver das estrelas, dos planetas, dos asteróides, dos quasares, dos blazares, dos buracos negros, das galáxias, dos pulsares, dos raios gama, dos infravermelhos, dos ultravioleta, das ondas rádio, da luz, quero o universo para mim, as partículas, os electrões, os neutrões, os positrões, os protões, os muões, os bosões, os mesões, os sigmas, as pequenas cordas vibratórias que amestram o universo, quero ser a Divindade, a energia inexplicável e ininteligível que dá forma ao universo e que comanda cada detalhe do seu funcionamento, desde o maior aglomerado de galáxias à pequenez inalcançável do mundo quântico. O problema sou eu.
Não vou jogar-me do abismo, não posso fazê-lo e deixa-los a todos para trás, seria de uma falta de reconhecimento e de uma ingratidão incalculáveis. Devo muito ao mundo, ao meu mundo, que é tão pequenino e ao mesmo tempo descomunalmente grandioso, onde há, … amor, amor por mim, amor que rejeito com escárnio melancólico estampado na cara, amor que brota das pessoas mais incríveis que existem na minha vida e que abdicariam das suas vidas em função da minha.
Egoísta, és um egoísta, e é tarde demais para te lembrares dessa gente que te manteve sempre num altar, com respeito e admiração, que contemplou os teus dilemas, que se ofereceu para melhorar a tua passagem pela terra e não percebes que os teus desejos de morte, de viver eternamente no reduto da estrelas, são problemas que não chegam a ser problemas, não, nada. São pura estupidez e limitação dos teus sentidos. Não sentiste que estavam todos aqui, sempre aqui, sem desarmar a momento algum, vincados ao chão como árvores vincadas ao solo pelas raízes, com a mesma força e com as mesmas raízes forte. És um bicho e não quero mais diálogo esta noite. Vou deixar-te afogar nesse sangue que te escorre dos olhos e que em breve tapará toda e qualquer via respiratória que ainda possuas, seu monstro, és uma monstruosidade, uma aberração… Pensa neles, pensa com mente de pensar, reflecte e procura o arrependimento. Depois diz-me a que conclusões chegaste e que medidas decidirás tomar. Deixo-te com pesar. Gabaste e não és nada…

terça-feira, julho 08, 2008

Anjo Louco II parte

Bum, bum, bum, o coração continua a bater, os passos longínquos ecoam no soalho envernizado da sala da minha imaginação e as unhas no vidro deslizam ao ritmo de um arrepio, as flores negras abrem rapidamente e morrem com a mesma celeridade, o futuro transforma-se subitamente em passado como a folha de um livro que retrocede com a brisa do vento matutino, os reflexos da água embebem-se de vida, saem das ondas e executam danças ritualistas, as flores soletram sílabas incompreensíveis e as suas vozes enfraquecem, o mundo flutua num estranho limbo inextricável e o nevoeiro levanta, está-se a abrir um novo enigma defronte da minha presença física e só o consigo percepcionar pelo 7º sentido. E uma criança chora à melancolia das árvores que decoram os lugares sombrios do meu imaginário, um pássaro executa o seu harmonioso canto até que as suas forças vitais se libertem e a ária primaveril se converta em requiem, as pedras acusam-me de mentir, querem o meu sangue, querem vestir-se dos meus fluidos, e as vedações humedecidas pelo orvalho indicam-me a entrada para um labirinto de espinhos e d´almas errantes.
Estarei a beneficiar de algum privilégio cósmico ao qual não estou a atribuir o devido valor? É no sentido da perdição eterna que devo seguir, abandonar o meu papel de humano e converter-me em figura duma lenda cruel? Eu não me importaria se as palavras que circulam pelo meu cérebro ousassem tomar-se de intenção e se soltassem para que o mundo as escutasse, mas elas estão impossibilitadas de fugir do cárcere da minha mente, e são barradas no meu sistema nervoso central, que as obriga a tomar o sentido contrário, esbarrando brutalmente contra desatino que é meu e implodindo de paixão. Eu almejava o Olimpo das palavras, a oferenda divina que faculta a eloquência máxima, quase celestial, que é dom dos deuses antigos, daria tudo por uma hora da minha existência de desafogos carregados de dor e profunda violência, vindos directamente do sarjeta impura que cega a minha percepção do mundo e das coisas, ai, se daria! As palavras, as ideias, meu Deus, os sentimentos mais puros que quero conspurcar recusam-se a sair de dentro de mim, a encontrar a via das palavras e a fundirem-se com o ulo do vento. Porquê, se o mundo cá fora precisa tanto de sentimentos como a vida precisa de água? Por que é que não desistem de me atormentar, que sou atormentado por natureza, e me alagam de culpas por ter feito coisas que jamais ousei pensar? De que é que elas precisam, de quê? De um cárcere para sofrer ou de um idiota para culpar?
Não posso conhecer a minha própria vontade, porque nem sei sequer se tenho vontade, força de querer, desejo de mudar. A mudança obriga a tanto que não me sinto preparado para enfrentar desafios e adversidades, portanto, eu não tenho mesmo força de vontade, sou um reles cobarde que sofre simplesmente porque se recusa a enfrentar a sua própria condição e a mudança, que, nestes termos, é a coisas mais simples de se alcançar nesta vida. Mas as vozes, as vozes amarram-me à sua magia e fazem de mim, do meu corpo e do meu espírito, a marioneta da sua própria querença, brincando umas vezes com a minha felicidade e ferindo-me profundamente com o desespero. É isso que sou, uma marioneta, um boneco destinado a ser aquilo que os outros pretendem que seja, sem contestar em minuto algum o meu papel e a minha postura apática e néscia. Neste rio, que é o meu mundo pequeno e cinzento, só um bordão dar-me-ia um pouco de alento, um pequeno auxilio, uma mãozinha, é de tudo o que preciso para quebrar as correntes e voltar a correr livremente pelas estradas alcatroadas e pelos paralelos interligados das ruas velhas da minha infância. Aquele piano continua a tocar para mim, e que bem que ele toca, sem músico nem maestro, sem vivalma que o leve, usando apenas da minha angústia para resplandecer. Até que do fundo da minha fé se abre uma luz, como uma espada em metal que rasga os fios de energia negra que amarraram os meus membros. O piano está a tocar, lá ao fundo, naquele local que ninguém consegue alcançar, e eu consigo vê-lo quando fecho os olhos e erro no interior do meu diminuto cosmos. As lamurias enchem-me de convicção e o desespero brota de cada poro da minha pela, e o anjo alado é logrado pelas setas da inveja dos homens que queriam ser anjos. Estou cheio de comiseração, mas não me consigo mexer, estou preso, circulo a grande velocidade no vácuo do meu cérebro e as figuras convertem-se em silhuetas disformes… Não pode ser, é o fumo, é o fumo que as abraça e embala para a morte, para o desaparecimento e ousa alguém dizer que este solo é divino, feito purificado pelo fluxo impuro meu sangue. Vou matar as minhas certezas com toda a certeza e chorar lágrimas de alegria por voltar a sorrir novamente… Há quanto tempo se esfumou a minha vontade de rir e se foi a alegria para a outra dimensão, para aquela onde repousa, calma e serena, a minha sanidade. Acreditas mesmo em ti, acreditas nas palavras que proferes sem vigor e sem quietude. Eu acredito, acredito que o meu horizonte longínquo é as estrelas que vejo e que me cegam para que as veja eternamente no interior que é de mim. Eu só quero as estrelas, tocá-las, beijá-las, amá-las e com elas arder para a eternidade, sem desordem nem arrependimento, ser uma estrela, queimar-me de combustível cósmico até que o combustível se torne em vazio e o meu corpo repouse adormecido no fundo longínquo e inalcançável do espaço sideral. É esta a minha vida, é nela que consigo e posso viver, preso pelos pés ao chão, sem a liberdade que preciso para voar, sem alegria nem compaixão, ao som do piano que ninguém conhece, só na minha certeza e no meu sofrimento. A minha vida é fria e solitário em quantidade suficientes, tenho todos os requisitos para ser a estrela morta que já não emite luz, que se alimenta dela e que continua a morrer lentamente à velocidade de um raio de luz. Perdoa-me, perdoa-me corpo por te odiar. Não tens culpa que a minha maior obsessão sejam as estrelas e que só no cosmos haja felicidade à minha medida. Oh corpo, és tu que recebes todas as chicotadas que a minha mente desfere, és tu que carregas o chumbo da minha existência descontente, és tu e os anjos pequenos que me tratam como um igual.
Tratam-me como igual, a mim, a um reles ser que professa o mal com todo o júbilo, um ente nefasto e podre que se recusa em reconhecer a divindade das figuras amadas pelos seus iguais. Assim não há lugar de anjo para mim… não, há penedos, chamas, vulcões no centro da terra e outros lugares agressivos e intoleráveis à vida, é esse o meu reino, o lugar do passado e do futuro irreconhecíveis que se fundem em um tempo que não é tempo, num tempo que é a eternidade, o sempre, igual, sem sentido crescente nem decrescente, uma ausência de sentido do tempo, um pasmo irritante. Os meus reinos não têm espaço nem tempo, nada, não há flores, não há verde, azul ou sol. O sol sou eu, as flores chamas coloridas que se exibem ao sabor do meu comando, o verde é cinza de sofrimento resultante de milénios de castigos de almas. Não pode ser, eu não sou assim, não sou, não há mal que viva aqui no meu coração. Eu tenho certeza que o mal não alcançou e ocupou o meu coração. Só há bem, um bem que ninguém reconhece ou se esforça por reconhecer, mas é um bem puro, inocente, ingénuo, doce e para sempre.
O ontem era uma miragem, o hoje é um estado de alma que me foi vetado, o amanhã, o que é o amanhã? Perdoa-me terra por ser a tua ovelha mais negra. Eu sei que querias que fosse diferente, que apenas fosse mais uma no teu rebanho… eu também assim o queria…

segunda-feira, julho 07, 2008

Anjo Louco

Sítios vazios que ardem pelo fogo sem razão que desconhecidos não conseguem descrever, memórias esvaziadas e embusteiras que se ocultam dentro de espelhos fictícios nascidos das lágrimas brandas que pernoitam nas minhas íris, fantasmas deambulantes e objectos inclassificáveis que se maneiam por movimentos incógnitos e percorrem o céu azul sem nuvens a velocidades impressionantes, são receios profundos e sem fundamento que atormentam o mais imenso e interno da minha consciência, temores fantasiosos cujo poder me deixa absolutamente aterrorizado… Fico sempre na dúvida, na sensação de que as coisas que povoam os meus imaginários têm qualquer coisa de concreto, deparo-me com elas em diversas ocasiões, em momentos em que não tenho qualquer dúvida da situação da minha consciência, quando, na maior das certezas, reconheço que estou acordado, a viver de sensações exteriores que preenchem a minha mente e lhe conferem a sua forma, a sua experiência e o seu conhecimento de senso comum, mas a sua raridade, a sua quase inexistência, a volatilidade da sua fundamentação fazem-me regredir, rompem-se questões, conduzem-me à loucura. São momentos tão estranhamente fantasiosos e tão concretamente reais que fico na perplexidade sobre a sua verdadeira feição. O que de real tem um objecto em forma de pássaro amparado pelas correntes de ar quente que se elevam das camadas mais decadentes da atmosfera, girando ao sabor de uma força desconhecida e anormalmente intrigante? O que de real têm as luzes foscas que me acompanham nos cigarros, que vagueiam pelo céu prenhe de estrelas e que repousam, não raras vezes, ao meu lado? E as memórias que me atacam cobardemente durante o sono sobre experiências que não me recordo ter vivido, páginas da vida que repousam recalcadas na biblioteca da memória, quais as razões das suas presenças indesejadas e porquê de eu não as associar a factos da minha vida normal, aos momentos em que dou e recebo partes de mim e partes dos outros, à plena consciência. E depois assombram-me medos surreais, agonias pelo desconhecimento estúpido e pela falta de organização que grassa no meu cérebro. Não sei se me devo entregar aos caos crescente que envolve a minha vida ou se devo simplesmente deixá-los, silenciosos e perturbadores, no cofre das mentiras, naquele celebre sepulcro lacrado que guarda piamente os medos, os receios, a dúvida no desconhecimento, as maldições e a estupidez que preenchem os seres humanos fracos que habitam neste planeta. Eu não quero ser um ser humano fraco, um ser humano dominado por dogmas, profecias, fantasias e mentiras. Simplesmente queria que esses conteúdos negativos saltassem da minha tampa e fosse chatear outra alma, porque eu já possuo a minha quota-parte de situações caóticas a congeminar no meu cérebro. Mais? Mais para quê? Para que se manifeste o novelo de comportamentos e pensamentos esquizofrénicos que tenho tentado ocultar, apagar, remover da minha vida?
Eu, no mais profundo silêncio, ouço vozes, ouço lindas melodias que não tem origem concreta, sinto vibrações estranhas que me remetem para sussurros que não consigo compreender e não sei se são apelos, chamadas de pranto ou meros olás. Ai Deus, eu estou a enterrar-me na loucura a passos largos, dia após dia, mais uma parede de pensamentos insanos a barrar o meu acesso à sanidade, mais um manto de trapos a cobri-me de atitudes pouco recomendadas e socialmente correctas, o meu mundo está a contrair-se com uma voracidade assustadora, a uma velocidade atrofiadora, o mundo exterior está a desintegrar-se totalmente, a matéria caminha agrupada na minha direcção, não consigo evitar, há uma força em mim que não domino que está a provocar o maior caos em tudo o que me rodeia, que se reduz a pequenas partículas que são posteriormente absorvidas pelo meu corpo e desaparecem para jamais aparecerem, findam-se e escapam deste universo, deixam um hiato de matéria e fico eu e um profundamente amargurado vazio à minha volta… Por favor, Paulo, tens que esquecer tudo isto, partir para aquele mundo que tão bem conheces e nascer de novo para usufruíres das belezas que ele tem para te dar, não te deixes fascinar pelo sentido constritivo da tua loucura, não ames a vida receosa e sem fundamentação que somente perpetua a tua desorganização, a tua entropia e enorme vontade de consumir tudo o que é energia e matéria que te envolve. Não és um buraco negro, nem sequer o podes ser, para que continuar a agir como tal. Eu ouço a corneta da morte a zumbir aqui, nos meus ouvidos, o que chama para o outro lado solta gritos lapidantes que abalam a minha robustez física. Quero sair daqui, quero liberta-me deste cárcere. Oh, não pode ser, ele está a enumerar-me as barbaridades que os seres humanos cometem com prazer, ele faz-me beber da maldade humana e eu sinto-a a instalar-se nos meus aposentos, são coisas que recuso dizer, a minha voz enfraquece, não posso dizer, as paredes dos monumentos eternos da antiguidade estão a ruir e os abutres circundam o meu quarto, mas não há janelas, não estou em África…Não podem ser abutres. Por favor… berrar, quero berrar. As luzes descrevem estranhos deambulares bailantes, valsas energéticas e penetrantes que causam a cobiça dos meus olhos e eu não quero olhar…. Tenho um segredo escondido que não quero abrir… Quem me legou nesta maldição. Não mereço maldições, não, não as mereço por razões nenhumas. Eu nasci para ser anjo, longe da maldade e do pecado. Eu quero trilhar o meu caminho e chegar à divindade, voar sem asas, respirar sem pulmões… A eternidade, o casamento com o universo, eu existe para que os humanos disponham de momentos de felicidade e não quero, nem vou querer quaisquer benefícios próprios. Só quero que toquem o meu bem, que usufruam de bem-estar de paz e de felicidade, mesmo que seja efémera e ilusória, quero vê-los felizes. A mim não, A loucura está a matar-me e a dificultar a minha ascensão aos céus. Deus, porque me legaste este destino….

sexta-feira, julho 04, 2008

Minutos em Combustão (com aditivos)

Os minutos fogem de mim ao ritmo duma melopeia de piano, sorriem, calorosos, no ápice da partida, despedem-se de mim com um golpe profundo no coração e efectivam-me ao infinito do tempo, remanescendo eternamente no transcorrido. É difícil suportar a mortificação de um minuto, que passou e teve nada, é doloroso o despertar para a vanidade, quando sentimos plenamente que a vida é infrutífera e baixamos os braços em jeito de submissão. Quanta falta de personalidade, que tamanha falta de amor-próprio, o tempo consome-se como o fogo rico consome uma floresta, e não sou bombeiro para apagá-lo, para lutar contra a sua disseminação, limitando-me a assistir benevolente à sua combustão. Mas a luz do fogo do tempo é demasiado bela e os desejos de incorporação de um bombeiro rapidamente se esvaecem e perdem grande parte da sua importância em função da maravilha estética que é a combustão do minuto, porém não se ausentam nem se expatriam para outro ser, permanecendo aqui, no fundo da minha consciência, destruindo-a muito paulatinamente, porque sei que deveria evitar que a minha vida avançasse a tal velocidade sem que eu dos minutos nada fizesse, mas alegro-me com a sua extinção, com o seu cavalgar alucinado para um fim marcado mas não revelado, é um enigma que se acerca de nós revelando poucas ou nenhumas pistas, e, num ápice, quando a resposta ao enigma não terá qualquer efeito, confronta-nos com tal intensidade que não temos tempo e recebemos-lo de braços abertos, e finda-se mais uma vida que primou pelo queimar iluminado de minutos.
Os minutos são medidas temporais que são alheios à maioria, que não representam grandes mudanças pela sua míngua de segundos, mas isto acontece porque a maioria não está predisposta a deleitar-se com o minuto que arde, que voeja penosamente e que se metamorfoseia em passado distante dum minuto para o outro. E é assaz simples assistir a esta ode ao fim dos tempos, a este requiem à próxima vida, não é mais do que viver veemente o tempo em que se fuma um cigarro no silêncio duma noite quente, vendo o seu afoguear da ponta até ao filtro, enquanto bebemos de todas as substâncias nocivas com jubilo, e contemplamos o infinito e sabemos, embora de forma inconsciente, que o tempo daquele cigarro se vai propagar até ao fim dos tempos. São momentos precisos e muito simples, coisas quotidianas mas que se presumem ser inúteis ou fúteis, ou simplesmente não serem coisa alguma., mas são, na realidade, um dos mais magníficos momentos que um ser humano pode viver.
E são vários os minutos que se queimam ao longo da uma vida, vá ser ela curta, vá ser ela mais comprida., porque, contrariamente à maioria, eu analiso a passagem do tempo nas tarefas mais elementares, consigo escutar o relógio cósmico a passar, que é pouco importante para os homens, mas é de uma extrema importância para o universo, e é ao universo que quero contemplar, não aos homens, que se julgam senhores do tempo, que acreditam piamente no poder que detêm sobre ele e não percebem que são meros fantoches nas suas mãos, que ele passa, magnifico, proporcionando pequenas maravilhas a cada minuto consumido e eles estão entregues a uma estranha necessidade de se sentirem úteis, querendo ocupar-se de todo o tempo de que dispõe e mais algum, porque o tempo é sempre pouco, e viver a um ritmo frenético, doentio, pobre, desconhecendo o quanto é deliciosa a combustão de um minuto, lenta, ritmada, vagarosa, dolorosa, quase asfixiante.
Poucos são aqueles que conhecem a magia do minuto que passou enquanto o contemplamos, do minuto que nasce e caminha a pequenos passos para o fim e que nos tem como espectadores que repousam na mais profunda catatonía. É belo, ronda a eternidade, e não passaram de poucos 60 segundos, 60 segundos que contamos no relógio-da-morte, que deixamos fugir de nós complacentemente. Estou disposto a repetir esta experiência, e tem que ser o mais rápido possível. Estive aqui sentado, preso nestas palavras e não pude contemplar o cavalgar dos minutos em exemplar silêncio e em aflitiva escuridão, não pude acender um cigarro e assistir à sua ruína, que se desenrola sempre perante a minha presença. Por sua vez, ocupei minutos que jamais poderei contemplar, porque o seu momento de combustão já passou e não possuo o dom de regredir no tempo e contemplar os minutos que não vi arder, ainda para mais porque eles agora fazem parte do infinito e eu tenho o maior apreço pelo infinito. Seria incapaz de perturbar o deambular do infinito, o caminhar para o fim.
A partir de agora, voltarei à inutilidade, ao vazio, e terei ao meu dispor todos os minutos que consumir-se-ão daqui para a frente, e garanto que não trocarei esta experiência quase mágica por uma outra qualquer.

terça-feira, julho 01, 2008

UNI_ MULTI

Está a começar repetidamente. Não quero, não mereço, não fui adequado para suportar ilusões contingentes, para deslindar os enigmas que se avultam do mais profundo da minha psique, o dom de inventar significados ténues para interrogações absurdas em caleidoscópio não consta da meu léxico de talentos, e sou confrontado com uma miríade delas quando, no silêncio do meu quarto, na agrura da minha divagação, o sono é a derradeira etapa. Esforço-me por acautelar estes momentos em que só existe um eu, uma fronteira escura e a cadência interligada de vários sons em desalinho, quando o sofrimento é avivado pela melancolia dum requiem destinado a alguém que viverá num futuro inatacável, alguém que padecerá de males do coração numa dimensão inversamente proporcional a esta em que nos movemos, e onde os acontecimentos escolhem atalhos que os cessam em epílogos próprios, sem conotação ou relação com os que se desfecham perante mim, que exploro, que me fazem subir ao infinito e explodir em ondas sonoras tocadas pela harpa de Deus, mas a melodia que decora a sua morte é-me tão facilmente audível, que chego a considerar que a dimensão longínquo e inversamente proporcional àquela que me tem é, na realidade, a mesma realidade que é inversamente oposta à realidade inversamente oposta, e ambas as realidades são a realidade no sentido cósmico da palavra. Os desfechos são diferentes, os intervenientes são outros, o enredo era exclusivo, e o protagonista é o mesmo, o solitário pensador que receia as questões obliquas que se acasalam perpendicularmente com a sua necessidade de um breve repouso. Alto, algo fez revivescer de vigor o coração que batia a um ritmo quase derradeiro. São novos sons, breves trechos conhecidos fundidos numa base sonora de outra dimensão, só pode ser algo do outro universo, porque o som é longínquo, distorcido, de tal maneira desigual que não o classificaria como tal, como som, muito menos como melodia, se os seus ornamentos não fossem as melodias intemporais que povoam os milénios de história humana, eu afirmaria que musical aquilo não seria. Estão ligados, emaranhados, bailando sobre as vibrações micro cósmicas que edificam o universo. É como se entrasse num carro e tomasse a via mais rápida para o outro lado do universo, para os antípodas da terra, um lugar onde pessoas existiram e legaram ao futuro conhecimentos de diferentes ordens, e que por acaso um deles é o saber da música. Que estranha semelhança com o meu lar, um legado de conhecimento deixado pelas gerações passadas no intuito de que as gerações futuras encontrem soluções para os problemas e contrariedades que os afectaram e para os quais não conseguiram encontrar soluções… Oh, mas vejo, também, que não estão a dar o melhor encaminhamento a essa panóplia quase infindável de conhecimentos produzida por aquelas gentes ancestrais. Estão, por sua vez, a troçar dela e a fazer tudo de uma maneira inteiramente diferente, meu Deus, obtêm prazer por contrariar a sabedoria ancestral, de tal forma que é quase uma coisa tangível o desprezo que sentem pelo passado. Olho para trás de mim, por cima do ombro, e vejo os nossos homens a fazerem exactamente a mesma coisa, com rigorosamente o mesmo prazer, como se um passado fosse um mero divertimento, um conhecimento que apenas serve para recreio, para alegrar a soirées dos intelectuais. Infelizes deles e infelizes de nós, que nos decidimos por atribuir importância e valorização a conjecturas que brotaram dum futuro completamente desconhecido, impossível de alcançar e cujo conhecimento que armazenou é nenhum e jamais trará soluções para o passado. Não quero ver mais, francamente, não consigo ver mais. As ondas sonoras estão a guiar-me num sentido totalmente diferente, longe da gente dos antípodas da terra, do outro extremo da galáxia, longe das gentes que existem ao virar do meu pescoço, e sinto que essa direcção é aquela que sempre quis, desde o inicio, que nada mais é do que o conforto quente e doentio da minha cama… Os dedos estão a encontrar barreiras à sua fluência. Eu quero dizer mas eles preferem em guardar o segredo. Perdoem-me