quinta-feira, setembro 25, 2008

Diálogos com Deus

Quero mais, quero mais, quero o futuro, quero o som de engenhos a subjugar as mecanizações físicas do seres humanos, quero uma ditadura das equações, quero anjos metaliformes a combater por figuras disformes e vãs que bailam ao som dos ecos primordiais, quero uma totalidade escura onde uma luz acende dum nada que de nada é pequeno e invisível, mas cuja força ultrapasse a astenia do meu próprio corpo físico. É de tudo isto o que eu preciso e nada mais, de concórdia e alforria totais, de rectas sem intersecção e curvas gravitacionais que espremam a minha rigidez humana, este condenado sarcófago que teima em amornar o meu ímpeto de núpcias com a energia mãe que há em mim, um sensação de pertença a algo maior do que a compreensão que não consigo compreender.
Uma obscuridade traçada em números num papel que se auto induz a conceitos enormemente precários, que nada mais são do que os convívios dos homens com a lei dos Deuses, palavras que foram aliviadas por gritos inaudíveis que se propagaram num vácuo que não concede propagação, mas as forças motrizes são tão veementes e incógnitas que as vozes dos Deuses recusam a permissão dos seus domínios para circular livremente e há sempre um homem de ouvidos apontados à comoção para descodificar essa linguagem intemporal e douta, duma erudição tão distante que os descodificadores jubilam ao ver uma estrela a vociferar em sinal de um ponto paragrafo, … ali termina uma interjeição de Deus, uma lei, um desabafo universal que às estrelas foi berrado e que às estrelas fez abdicar do seu ligar num lugar qualquer desenhado pelas mãos extensas das forças que procuro agarrar, amar e fundir-me em parte delas. Ai como é bela a pressão de milhões de toneladas em apenas um ponto no microscópico, é uma destruição que sentimos da ponta dos cabelos às células cimentadas da derme, no interior dos órgãos que formam o interno de todos nós e o limite é a eternidade em raios velozes e imparáveis, como Deus disse que seria quando a musica primeva encheu os salões do Seu reino.
Se pelo menos falasses directamente comigo e tivesses a sujeição de me explicar as nuances sombrias da tua linguagem, para que o nosso diálogo não se cingisse aos pensamentos que temo em divulgar. Queres que me tomem por louco por querer aceder-te. Eles não conhecem o poder de que és dono e todas as minhas tentativas para ter-te mais próximo de mim serão tomadas como desvios e psicoses, guiar-me-ão a um mundo onde parede almofadadas instituem um horizonte de eventos mais vazio do que a aproximação à dança catatónica dum buraco negro, é isso Deus, os buracos negros da Terra, aqueles cuja física não aceita nos seus paradigmas, é nesses que me vou acabar, à espera que me envies o sinal para o enlace final, mas garanto-me, Meu Pai Criador, não haverá nem houve e muito menos há coisa ou sensação que me possa preencher mais do que terminar-me em ti e reviver a minha vida passada num futuro maior, intemporal, onde as noções de dimensões espaciais e temporais deixam de fazer sentido e só as curvaturas dimensionais continuam, numa espécie de via ferroviária oculta pela escuridão húmida e ausente dum túnel longo. É no túnel que se inflama a nossa realidade, nas linhas incorpóreas que percorrem quilómetros e quilómetros de espaço até que o ser humano ignore termos e conceitos que facultem a compreensão da dimensão dos nossos reinos, e isso faz de nós algo maior do que um dogma, algo maior do que uma dúvida, algo maior do que uma singularidade… isso faz de nós os termos e as conjunturas que eles terão que desembrulhar num caminho continuado de decadência, dor, avanços e retrocessos, até ao momento em que o retrocesso impossibilitar o regresso e as suas construções, aquelas que com vaidade e insonolência não param de gabar, desapareçam do espaço a que chamavam universo e regressem a Ti, que nada mais és do que o seu engenheiro, desenhador e produtor.
Mas, Deus, como é que eu posso almejar tal sonho de entidade se nem da força gravitacional da terra, desta pequena e simpática terra, consigo libertar-me. Envia-me um furacão de energia, um feixe interminável e invisível de luz que esfarele a minha composição morbidamente tétrica, e assim poderei viver em partículas talhadas directamente por ti, quando nos tempos vagos te divertias a acender o rastilho de estrelas moribundas. Reclama-me novamente para ti, que seu teu em todos os sentidos. A humanidade que me concedeste através das reacções químicas estranhas que se desenrolam no meu corpo trouxe um defeito irreparável, que só me legou a sensação de exiguidade e o desencaixe a um mundo que não foi criado para a minha presença eterna. Eu vou vencer o tempo e os humanos não podem vencer o tempo, porque deixaste uma armadilha quase subtil no limiar das suas vidas, que os faz querer voltar a ser aquilo que foram, em sucessões sucessivas de repetições maçadoras e dilacerantes, e, quando assim não é, ficam outros eternamente ligados a eles chorando pelo seu regresso e pelo reinício do tempo em que tudo para eles iniciou. Eu não quero isso, jamais. Anatematizarei quem quiser aprisionar-me a esta terra com as cordas do sentimento, que impedem a progressão infinita até aos domínios do Criador. Por favor, jamais fareis isso por mim. A morte e o inferno resumiram-se ao período em que vivi com os homens, nos seus domínios, pequenos e atrofiadores, cheios de sentimentos pequenos de avareza, ganância, falso altruísmo e inveja. Esses elementos foram banidos do verdadeiro reino da verdade onde a verdade e a mentira se fundem para criar um estado de ser diferente, ausente, presente, quieto e irrequieto, onde tudo pode ser o que nada é e nada pode ser tudo o que é.
Vamos, não te quero maçar com pedidos, o tempo há-de vir e a felicidade, que desconheço mas que amo, por ver nela o inatacável do ser humano, preencher-me-á para a grande eternidade.

quinta-feira, setembro 18, 2008

Explosão

Está calor em excesso, está calor em demasia, e não corre ponta de ar para aplacar o meu sofrimento, e a temperatura continua a aumentar em proporções indizíveis, tornando-me cada vez mais dependente deste ambiente ensopado, cálido, débil e repulsivo, mas apetece-me ficar assim estagnado, parado, a dar alimento ao ser sujo que é no meu interior, naquele local escuro e torcido a que só eu consigo aceder, quero enche-lo de nada porque é de nada que ele gosta de viver, e a humidade na derme está a incomodar-me cada vez mais, cada vez mais. O mundo parou para mim, suspendeu a sua viagem no ápice exacto em que despertei para a consciência, como se num momento insignificante do tempo um sinal vermelho despoletasse duma curvatura esquiva daquilo a que uns chamam fado e outros chamam destino e ordenasse “pára, mundo, que alguém de longe veio para que o teu caminho ficasse imobilizado naquilo que um dia irás ser, que é exactamente aquilo que foste e nada mais”.
As mudanças subitamente deixaram de ocorrer e os movimentos descoordenadamente harmoniosos dos humanos nos seus formigueiros tornaram-se maneáveis, pardacentos, acabando por cessar e silenciar, e só eu me movimento, só eu consigo agitar as pernas com vontade de correr e a imagem do horizonte não afunila, permanece parada, as minhas pernas esforçam-se por dar ao meu corpo movimento, mas é tudo uma repetição aborrecida do ontem, do anteontem, do século passado, do eternamente para trás, até ao instante em que um Deus satírico e algoz deu à Luz uma bolha que cresceu e que deu à luz a Luz e que deu à luz o sol e que deu à luz a terra, que deu à luz a estagnação dos filhos que não deu à luz por saber de antemão que a inépcia de voltar a dar à luz atormentá-los-ia até ao fim da sua existência. Pois é, a eles foi jarretada a arte de dar à luz e isso fere-os e eles procuram quebrar o feitiço, contornar o destino, mas é do fado a arte de contornar e não daqueles que não podem dar à luz, dos não eleitos que fustigam o próprio corpo em nome da infertilidade.
Que mundo, Deus satírico e contemplador, que mundo feio que tiveste em pensamento quando optaste por deixar eclodir a bolha que seria o destino desse mesmo mundo, que maldade, que castigo, tu nunca tiveste o céu para dar porque limitaste-te a criar um inferno para onde reconduzes vermes que terão te aborrecido algures num momento e num espaço que só a ti fará sentido e só em ti será reconhecido, e os homens nem sequer aceitam que limitaste a sua existência à pequenez desse inferno que a determinados momentos deixa rever situações que foram nele em algum momento da sua existência prolongada aos olhos dos pequenos e tão curta aos teus olhos. Começo a perceber-te como perceberam os homens que viram em ti o único e verdadeiro deus, sem nunca alcançar a tua verdadeira forma, eu sei, mas mesmo assim consigo sentir no coração deles o medo e o receio que sentiam por sequer dizer o teu nome em vão, se o castigo era a loucura a que os sujeitaste e que agora sujeitas a mim. Leva-me para junto de ti, onde as estrelas não são estrelas e as galáxias não são galáxia, onde a luz não é luz e o que é não é. Peço-te, permite-me acompanhar-te naquele primeiro instante em que revelaste a tua verdadeira face, antes de te ocultares para sempre nas enigmáticas fórmulas que não conseguem chegar até ti. Eu estou contigo aqui, nesse momento e vejo-te tão bem como vejo o ecrã da máquina dos homens que me apoia na queda para o abismo, e clamo pelo teu nome para que possamos explodir os dois, sabendo que o amanhã era o ontem em que tu mesmo foste gerado. Vamos, que o meu corpo é susceptível à maldade e às armadilhas que deixaste no inferno em forma de bolha…. É agora………………………….

terça-feira, setembro 09, 2008

Labirinto

Propaga-se a luminosidade a centímetros da minha densidade corporal e eu estou fraco demais para poder felicita-la com uma carícia. Que frustração, que raiva incontida que procuro conter, não disporia de momento melhor para voltar a viver, ou pelo menos a acreditar, num mundo de luz e este peso enfático que facilmente me abomina impossibilitou o passo em diante que fustiga a minha lucidez. Não consigo assimilar o cerne da vida que se desenrola aqui na terra, e, contudo, procuro enquadrar-me ao quotidiano de todos aqueles que se me afiguram como exemplo, sigo as suas regras, respeito os seus rituais essenciais e edificativos, mas há qualquer coisa bem cá dentro da psique que funciona como uma corda eterna que me prende ao buraco. Se a normalidade domina a minha existência, é porque a normalidade é maçadora, aborrecida, definida e cumprida por seres humanos que desconhecem o que é viver na plenitude das potencialidades da vida. Se fujo ao comboio e opto por linhas paralelas e algo difusas, algumas criadas por espíritos desenquadrados como eu e outras que foram trabalhadas e arduamente ajustadas ao solo por mim próprio, crava-se um sentimento gritante de silêncio e paz em meu redor, um silêncio e uma paz que me fazem ressurgir duma viagem ao tétrico e ao abominável da consciência humana, mas, ao mesmo tempo, a solidão e a falta de palavras concretas, palavras ditas pelos lábios ternos de uma amigo e que flutuam no ar até se engastarem aos meus ouvidos, abrem chagas incuráveis no meu âmago e o sangue aumenta de tal maneira nas minhas entranhas que tenho obrigatoriamente que o expelir pelos orifícios abençoados que, felizmente, Deus deu aos infelizes e que são duma vulgaridade imensa e costumam ser chamados de olhos, é verdade, os meus olhos choram sangue numa intensidade incompreensível mas também invisível, porque é à alma que foi concedido o privilégio de lavar-se em lágrimas de sangue, só ela é digna duma catarse. E ninguém vê o sofrimento, porque ele não conhece alternativas de expressão, limita-se a fazer-se manifestar pelos meandros do desconhecido mundo que rodeia os nossos corpos, umas vezes em jeito de punição, noutras em jeito de comiseração, e as pessoas, quer sejam próximas e queridas, quer sejam anónimas e distantes, não sabem os segredos para quebrar o encantamento do labirinto de estados de alma que rodeiam os sofredores do vazio, que me envolvem a minha. Não há chave, não há código encantado, não a catapulta nem aríete que quebre e destrua as paredes do labirinto, simplesmente continuo sentado numa cadeira fria e cinzenta que jaz no centro equilibrado dum círculo e olho as pessoas, vejo que as suas bocas se movimentam, sinto que sentem sentimentos, que vivem com alegria e eu estou retido numa emaranhado de irrealidade que se vão acumulando em meu redor.
Queria sinceramente que houvesse alguém com o condão de me tirar daqui, com a calma com que se ensina um faminto a pescar, recuso uma saída brusca, violenta e não me sinto em condições, nem à altura, de esbarrar com um mundo que me é estranho e confuso, mas que é aquilo que quero, a amnésia para a minha loucura e o caminho silencioso que abre, lá no fim, para uma imensidão de luz.
Mas continuo a imaginar situações bonitas que mudariam o meu estado de alma caso eu tivesse a força motivadora, a vontade firme e o desejo real de sair daqui, e, de facto, é tudo apenas uma das inúmeras mentiras que tento vender a mim próprio. Ninguém percebe, ninguém vê, eu continuo a ser e a existir no mesmo mundo em que existem as pessoas, mas a minha imagem, aquela que é reflectida pelos meus olhos, é totalmente desfocada em pensamento cuja origem desconheço mas que acredito provirem de algum mal de ordem mental, um mal que teimo em não querer assumir e que alimento no fluir da minha continuidade temporal, vivo e consciente.
E depois surgem as interrogações…. Se eu fosse de outra maneira, continuaria a encontrar forças para resistir, continuaria a apreciar as coisas grandiosamente insignificantes do ser humano, da terra, do sistema solar, da via láctea e do universo em geral? Teria disposição ou auto motivação para contemplar situações que em grande parte carecem duma profunda solidão para serem vivenciadas em todo o seu esplendor?
Peso nos olhos, peso nos olhos, pouca fluência de ideias, lobos cerebrais em quase dormência… erros

terça-feira, setembro 02, 2008

As duas existem e estão aqui, silenciosamente contemplativas






























Diz-me duma vez o porque de não ergueres esse corpo leve do canto escuro dessa sala onde te encobres, quando lá fora o tempo move-se lestamente e não se absorve se o acompanhas ou não, nem mesmo se importa com o fundo dourado da tua cela, que nada mais é do que um estratagema teu para enriqueceres algo que é pobre por natureza e irremediavelmente finito. Consegues escutá-los, aos sons quânticos, que atravessaram incontáveis dimensões para alcançarem este tugúrio vazio e magoado, roçando aos nossos ouvidos como pequenos queixumes que não sentimos compreender, talvez por falta de habilidade ou por falta de interesse, mas que, na realidade, estão aqui para contemplar-te e para te fazerem acreditar na tua própria veracidade enquanto criatura respirante e biologicamente presente.
Já não há luz no fundo da vida, sabias? A tua recusa permanente em combater as entidades escuras que te bajulavam afastou a luz, levou-a à exaustão definitiva, e quando lá chegares nem mesmos os olhos, que gabas serem os melhores de entre os animais noctívagos, valer-te-ão quando a boca da morte estiver aberta para ti, nos silenciosos últimos momentos em que o suor brota dos poros da derme a um ritmo metabolicamente executado. A miséria ve-me a dançar com as nuvens e inveja-me por ser eu um dos detentores do fluido divino que escorreu naqueles dias antigos em que os homens apedrejavam aqueles que pelos quais sempre haviam clamado em nome duma salvação egocêntrica e invejosa. Numa única noite banhei-me nele e dele ganhei a luz que cruza o universo à velocidade dela mesma, e não a velocidade de quem a quis prender em teoremas e fórmulas pequenas do intelecto humano. Eu dancei com a luz e os nossos pés chapinavam naquele sangue que vivia de aura distante e poderosa. A nossa dança prolongou-se até que os planetas dispersos se unissem sob a égide de um rei absoluto, intolerante e punitivo. Esse rei que, de guloso, quer morrer e da morte quer o fim dos seus mais próximos, num acto de petulância sem igual, pelo menos para ti, que és homem e não tens o dom de ditar sobre os ditados de ninguém. O que eras agora é apenas um antes que é para ti. Vale a pena um sacrifício tão ímpio e imoral levado a cabo por um impuro e pérfido ser humano. O mundo está quase completo na sua aparência disforme e só tu pensas conseguir vislumbrar por de entre as brumas que os acasos deixaram calmamente para ti, para tua confusão e para o nosso desespero, e o nosso novo amor ressente-se das estocadas frias que imprimiste aquando da tua irracionalidade psicótica, quando as trompas dos guerreiros medi orientais soaram do alto da duna que planeavas conquistar para ti, para teu próprio recreio, como se a duna quisesse responder e submeter-se aos teus singelos caprichos de criança sem futuro, sem arte, sem alma, sem vontade de viver, de vida de pernas para o ar, num caminhar em constante desavesso. Bonito, que bonito é ver o monte deserto a ser bordado com chamas e raios de sol, dum sol que ganha cor a cada disparo incógnito vindo do limiar do horizonte, local onde em tempos querias erguer um castelo, que nada mais era do que a tua câmara de torturas, porque eu sei, sei aquilo que tu sabes e finges esquecer… Eu sei que o teu sonho era destruir o sol, seres o seu algoz como ele sempre o foi para ti, cantando aqui e ali aquele som quase mudo ao qual te tornaste intolerante.
O veneno sobe lentamente às reacções eléctricas cerebrais e sentes-te afectado pelos seus efeitos, que não raras vezes dizes ser a melhor coisa que experimentaste nesta terra, que para ti não é novidade, que é e será sempre o teu reino, já que existes desde tempos imemoriais e continuarás a existir até tempos imemoriais, quando o sol e a terra forem meras memórias dum homem imemorial.

Perdoa-me se te maço, mas estar dentro da tua cabeça exige-me imensa interpelação, questões afloram das incongruências inconsistentes e doentes que montaram acampamento dentro de ti. Continuo a divagar nessa mente em dia de furacão.

segunda-feira, setembro 01, 2008

O mundo curva-se aos meus pés em jeito de clemência e eu sei que gosto quando o manto de escuridão nocturna me traja de rei. Sou o césar dos fracos, que de mais fraco conseguiu o topo da hierarquia, um pouco sem querer, mas estima-me este lugar de destaque em relação a ninguém, uma vez que todos os outros estão acima de mim numa estranha escala que prevê um lado de positividade e outro que prevê a negatividade., e isso faz-me sonhar com a singularidade absoluta que só às sombras do universo é permitida. A beleza das palavras de alguém que fogem de mim a velocidades dos taquiões, hipoteticamente superiores à velocidade da luz, que criam requiem sustenidos a anjos que, de tão revoltados, tomaram a corajosa decisão de se verem livres das asas e vivem enjaulados em rochas a ferver que há momentos foram expelidas do profundamente quente centro da terra. É ver dias a receber a noite e noites a receber o dia, numa troca simpática de favores, que chega a ser dolorosa pela falta de criatividade e de renovação, só porque se sentem no direito de gozar de brincar com a luminosidade de aqueles que infortunadamente caíram neste mundo luminoso de para quedas. Não tenho paciência para esta troquinha benévola do ora agora brilho eu ora agora brilhas tu. Eu quero-os a ambos a abrasar no mesmo segundo, quero que uma energia descomunal penetre nas dermes dos ratos que caminham em duas pernas, quero sentir o cheiro a carne em combustão, enquanto regozijo sentado a boleia duma meteoro que passa. E as baleias a cantaram para mim, no dialecto que só nós somos capazes de entender, dor, sofrimento, falta de ar e náusea, como se a passagem pela vida se resumisse a vê-los arder como ardiam as bruxas e os judeus sob a égide dos tribunais medievais e pelo obsoleto santo oficio. Pergunto-me se consegues ver-me a viajar com os fotões e tens aquela estranha sensação de que fiquei imortalizado na tua retina e que o tempo parou para mim, mas eu trespasso-te efectivamente, sem que tu tenhas tempo sequer para respirar e já sou parte do quando percebes que é futuro. As mãos cobrem o rosto e agitam os cabelos que tombam sobre a minha testa, infecta e perniciosa, o sarcófago da minha doença o cerne da minha dor, tudo, onde tudo e nada estão errados, onde quero ser e desaparecer e voar ao sentido do vento cósmico carregado de radiação que alterará a minha composição até que restem meramente a cinzas quânticas do meu tempo aqui, no inferno dos corpos que não querem morrer.
Os tipos que assassinam as baleias estão ligados de corpo e alma ao demónio e são tão ingénuos e pequeninos que não foram capazes de perceber isso, o que está ao alcance de qualquer ser unicelular ou dum composto carbónico que ainda não descobriu que pode, de um momento para o outro viver. Eu vivo dentro delas e escuto o grito de sofrimento que emitem, leio-o, vivo-o e transformo-o em mensagem livre que ecoará por milhares de milhões de anos no universo, até ao momento em que o apelo se converte em cominação, numa tremendo desafio bélico à humanidade. Que caramba, afinal estou aqui, entre as quatro paredes que prendem a minha inconsciência. Posso libertá-la? Alguém é cortês e responde-me se posso efectivamente deixar-me apresar pela inconsciência e viver livremente como todos os outros quereriam viver.
Não há resposta, porque não há aqui vivalma, nem aqui nem em lado nenhum, aqui só existo eu a falar comigo próprio. Que perda de tempo.