quarta-feira, dezembro 31, 2008


Não sei se tenho frio ou calor. Nem sei sequer se existo para além das oscilações de temperatura que se fazem sentir aqui, no gelo, mas, no entanto, estou tomado duma certeza com a qual aprendi e continuo na aprendizagem de viver. O frio é a temperatura definitiva da minha alma. Teço fogueiras imaginárias dentro da minha imaginação, as quais são abundantemente regadas de combustíveis impossíveis, realizo diligências por lugares solarengos na imensidão do equador da minha vontade e o resultado é sempre o mesmo, frio, um resultado que não trás nada de novo à situação que condiciona a demanda e afundo-me, afunda-me. Era bom saber que havia escondida no mundo do reais a solução para a rigidez mórbida que deturpa a alma, que apesar de acompanhada por uma imaginação efervescente e activa não desvenda as forças fundamentais para que a fricção de sentimentos despolete numa chama, num simples e quente fogo que alteraria a temperatura que há em mim e dentro de mim. Toda a gente grita que no mundo a única coisa que permanece para além do ódio e dos sentimentos pestilentos da alma são a fraternidade e o conforto que sentimos quando vivemos os dias das nossas vidas com os nossos iguais, e isso é a verdade que me fere por ser a maior mentira que consigo e quero conceber. A distância dos meus pares, um pouco à semelhança do lobo que, por fraqueza, perdeu o lugar na alcateia e vagueia, só e dolente, numa demanda pela sobrevivência, é a caldeira do calor gelado que orienta a globalidade do meu ser, do despertar desalinhado, ao deitar aterrorizado. Que vida fui escolher, ou talvez tenha sido escolhida por mim para mim, que nem sequer consigo conceptualizar as temperaturas da forma que os outros as concebem, e aproveitam, e jubilam por ser tudo um inverso do meu desgosto setentrional. Sou eu é de mim a tundra das almas, sou eu e é de mim a taiga dos desolados. A minha débil alma emigrou para as bandas do norte e o meu corpo permanece no seu (in)feliz recanto onde são glorificados aqueles cuja a alma emana uma luz e um calor interior assinaláveis e lega à desgraça os filhos malditos que essa luz e esse calor negligentemente conceberam.

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Aqui estou, novamente a cavar a sepultura onde de futuro serei a recordação infeliz de um corpo que em outras alturas teve uma alma. Continuo a cavar com a mesma intensidade e impetuosidade que cavei quando o buraco era apenas uma passagem tenebrosa e infinita para uma realidade à qual jamais me acostumaria.
Lembro o dia em que o buraco desmoronou como lembrarei o dia em que o buraco que cavei voltou a fechar-se, e nesta sucessão de lembranças acordo para a verdade daquilo a que, com contemplações e falas meigas, me sujeitei sem clamor nem alteração. O ritmo de trabalho assemelha-se a um caminhar desajeitado de um aleijado, que por não saber andar, preferiu atirar-se a um rio e pelas águas sujas e malignas ser conduzido, sem contudo obliterar o caminho que, com dificuldade, foi traçando com o arrastar lento e pesado do seu corpo morto, que é morto desde o dia em que em lágrimas despertou para a vida. Nesse caminho há tempestades assustadoras e raios que se revoltam em variadíssimas direcções, e no fundo de um vale encoberto pela luminosidade de uma estrela que não é feita da mesma matéria de que são feitas as estrelas a que vulgarmente costumamos associar a luz que por elas é emitida, que no fundo pouco ou nada representam quando comparadas com a cerração a que o sol sujeita aqueles que da noite fazem dia e do dia um sarcófago para uma mentira, abre-se a possibilidade de deixar de cavar para cair num buraco feito por outros iguais aos outros, mas senhores de uma outra cobardia, a cobardia de descobrir se do lado de lá há alegria.
Tempos mortos estes em que a chuva cai em direcções incertas sobre uns ombros que carregaram fardos invisíveis, mas estranhamente penosos, tão enfadonhos quanto a monotonia pode ser enfadonha e o fado que uma estrela que deveria resplandecer pode doar-nos a nós, amantes duma obscuridade que não concebe outra situação que não a luz, mesmo quando das paredes escuras dum céu carimbado de estrelas se forma uma luz que não serve para iluminar. É isso que me entristece e me incentiva a continuar no cavar para uma posteridade na qual o reconhecimento será dado aos montes de areia que se formam aqui e ali e que em nada contribuem ou contribuirão para o reacender da chama das estrelas caprichosas e bandidas que acenam alarvemente, sem contudo atribuir aquilo que, por palavras mais sinceras, poderia representar um rasgo de felicidade. E a tristeza afunda-se em nós e o barco que é a nossa alma, que vigorosa - como o barco a que correspondia - navegava sobre as vagas de um sentimento soturno e desconhecido, perde o barqueiro lúcido que sabia que destino poderia hipoteticamente agradar à sua tripulação, tristes bandidos duma noite sem luz que, na amargura de uma amanhã que será exactamente igual ao amanhã que foi ontem, continuam na árdua tarefa de cavar o buraco que se abriu no dia em que, com lágrimas e pranto, despertaram para a vida. Deste lugar tolhido pelos antepassados dos homens que acreditavam na beleza de um futuro em que as estrelas não só iluminariam os caminhos do dia, mas também iluminariam os caminhos da noite, não quero recordação que sobreviva ao dia em que o corpo regressar ao buraco fechado que assim está na certeza de que esse corpo ao buraco volta porque da sua alma foi rendido. Infernizados sejam todos os que me venderam sonhos com defeito e futuros com alegrias em catadupa. As catadupas defeituosas de sonhos destruídos são a única recordação que ficou desse caminho amargurado que com o corpo pesado de uma aleijado percorri. Vou apagar as luzes falsas que me alumiam, para de seguida jogar-me ao buraco encerrado que jamais voltará a ser aberto a não ser por magia, uma magia que não conhece outra qualquer e que reside dispersa em bocados de papel apodrecido, e dos sonhos desfeitos, das estrelas manhosas, das verdades absolutas, das tempestades de raios, dos despertares em lágrimas para o pesadelo que foi uma vida libertar-me-ei para sempre.

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Que confusão, que tremenda confusão a que tenho aqui dentro de mim. Não sei se deva escrever aquilo que sinto ou sentir aquilo que escrevo, talvez deva embrenhar-me nas palavras que flúem dos meus pensamentos e flutuar na sua liquidificação como o navegador que navega nas vagas furiosas que levam ao sossego de um lugar imaginado por utópicos. O meu interior está repleto de erupções vulcânicas que expelem lava sem parar e a minha fúria alimenta-se dessa lava que a faz aquecer, arder, iluminar a confusão das minhas ideias, o caos que se instalou paulatinamente na minha razão. É tudo escuro, nem partícula de luz consegue alcançar-me, estou prostrado perante a minha miséria e fervo de ódio por ter na morte uma amiga que pouco ou nada diz e que me mira com aqueles olhos de clemência e de vingança, e a raiva cresce, cresce, rasga carne, rasga a pele, corrói os órgão internos e envenena a corrente sanguínea de tal modo que uma dor lancinante invade o meu corpo sem que este delibere a menor resistência. E os zumbidos enervantes continuam a atormentar e a atordoar os meus ouvidos e mal consigo raciocinar, mas como poderei raciociar se estou a submergir na insânia, na demência, na alienação absoluta? As paredes estão repletas de silhuetas difusas e as silhuetas gritam como gritavam os monstros que me perseguiam nos meus pesadelos e o medo, o mesmo medo que tinha quando dormia, sobe da base dos meus pés até à ponta dos meus cabelos, estou envolto numa película invisível de medo, e contrai-me, impede-me os movimentos, prende-me, prende-me e quero sair, o medo está a ferir-me e os meus dedos estão a congelar…. Frio, frio, gelo…. Os pés enraizaram ao chão e a loucura sobe e desce dentro de mim e ironiza com a minha consciência, forçando-me a querer gritar, mas o medo gelou-me as cordas vocais. Que posso fazer, Deus, que me deixaste aqui jogado a este canto, a padecer no medo. Chama-me a morte, por favor. Pede-lhe que seja empática e que me leve daqui para fora, que traga as asas que roubou aos anjos malditos que foram expulsos do inferno para que com elas ouse tentar sair daqui, do inferno vivo em que vivo. A beleza, a beleza da humanidade está ali, está ali o amor, a compreensão, o aconchego de um abraço amigo reconfortante, do lado de lá das paredes que me ladeiam, e a molesta porta de saída aparece e desaparece e nunca está no mesmo sítio, e o ódio em mim já não pode ser controlado, está totalmente fora do controlo, estou com medo de mim. O ódio dilacera-me de dentro para fora, estou às portas da loucura, ai raiva, frustração, medo, medo, quero chorar, dizem que o choro ajuda a afogar a tristeza e a tristeza é a maestro da demência e tudo isto não passa duma sinfonia há psicopatia…. Parem… Parem, não quero ouvir mais, não quero ser um pião nas vossas brincadeiras infantis e cruéis. Libertai-me, quero equilibrar-me, quero respirar fundo e sentir o ritmo cardíaco a abrandar. O meu coração vai explodir, o meu cérebro vai explodir…. AHHHHHH…… morte, porque não me ouves?

terça-feira, dezembro 09, 2008

É tudo confuso quando a nossa mente não combina com a realidade que nos rodeia. O cinzento eleva-se à condição de cor dominante, as pessoas não possuem rosto, os movimentos apresentam-se estanques, a água não faz os ruídos encantadores a que estamos habituados, o céu não tem noite nem dia, as estrelas não brilham, o sol não é encoberto pelas nuvens e nunca chove. A tristeza é o sentimento reinante e constante no mundo em que as coisas são como os outros querem que elas sejam e onde nós próprios somos um reflexo opaco daquilo que poderíamos ter sido se, porventura, houvesse em nós outra certeza que não fosse o medo. E continuamos neste marasmo, de olhos concentrados nos desenhos geométricos dos passeios, perdidos no desequilíbrio ténue da relva dos jardins, submersos pelos altos e baixos do asfalto que segura os carros, e dá-mos por nós incapazes de levantar a cabeça e apreciar o fresco que ilumina o céu de todos nós e que tão carinhosamente foi elaborado pelos artistas incógnitos que imaginaram o universo. Queremos aprecia-lo e ter a coragem que falta no momento em que bastava elevar um pouco a cabeça para contemplar o que nunca vimos, mas, quando voltamos a ter consciência da nossa própria existência, constatamos que apenas continua a existir o cinzento que sempre existiu e que nunca mudou, e continua a ser aquela cor soturna que preenche os objectos da minha fantasia e não existe nada para além de mim a não ser a morte e um profundo lamento por em algum momento do tempo ter existido. …. Morri dentro de mim outra vez.

segunda-feira, dezembro 01, 2008

1893

Queria escrever alguma coisa, pequena que fosse, acrescentar um bocado de mim à imensidão obscura que me envolve, libertar-me destas amarras que me chagam os pulsos, que fazem com que recue quando quero avançar, mas não tenho força, sou fraco, meloso, débil, fraquejo sempre nos momentos em que o destino me favorece com meia dúzia de portas abertas. Continuo a ser um bruto mal agradecido, um egoísta, um ser pérfido que gruda indirectamente a realidade à sua teia para depois, aí directamente, a destruir… Não o faço por mal… é a danação que me calhou.
Continuo a pensar em mim e em mais nada, continuo preso ao fascínio que tenho por mim mesmo, que me faz adorar os dilemas e problemas em que vivo e que não existem, e oculto-me sob o véu farto dum belo olhar que pouco mais percorre do que a distância entre a ida dos meus pensamentos até à retina e o caminho de volta às minhas idiotices. O meu cérebro é feito de poeira, que levanta à mínima agitação, ao mínimo movimento, transformando-se subitamente numa confusão que se centra sobre as confusões que o compõe a si mesmo. Não há Inverno nem Primavera que quebrem ou façam renascer ao folhas que se alimentam eternamente de ideias nos galhos da minha obsessão por mim mesmo, e os anjos das religiões pequenas continuam a ser os alvos preferenciais da culpabilização por o universo continuar circular em meu redor, pelas coisas pequenas e grandes manterem as suas órbitas no limiar daquilo que pode ser por mim processado através das experimentações pelos sentidos, quando nada disso acontece, é como se o meu peso e pesar obrigassem os espaços e os tempos a condescender e as realidades, os pensamentos, os sentimentos, as agitações, os receios, as peripécias e a vida das pessoas ficassem conglutinadas em mim, mesmo sabendo que incomodam profundamente, os seus sons, os seus movimentos, a sua afectuosidade, a sua paixão, o mundo em que vivem, e eu próprio, raios. O mundo, este onde eu e todos os outros existimos, uns com prazer, outros com ódio, dilacera-me de dentro para fora, debaixo para cima, faz-me querer parar de respirar a qualquer momento, rasgar a carne e sangrar até não poder mais e fenecer. Mas a cobardia, a maldita cobardia que proíbe que eu dê o passo seguinte, o medo de perder as pessoas, os sons, as agitações, os cheios, os sentimentos e a vida que tenho é maior do que a falta de vontade de permanecer neste lugar infernal que existe para que as pessoas penem por crimes que realizaram numa realidade e num tempo que só a Deus compete delimitar, um designío divino cheio de incongruência e falácias. Este lugar dos infelizes é cruel, doloroso, sombrio, mas é tão belo… o mundo que se construiu à minha volta e no qual eu, qual criança que brinca com os legos, fui colocando as minhas peças, este meu mundo é lindo e eu adoro-o, não o quer perder e amaldiçoo a morte por saber que um dia ela mo levará, mo roubará, mo tirará sem dor nem clemência, com prazer e satisfação, e vou ficar aqui assim, estendido, pasmado, a sofrer pelas pessoas, pelos sons e pelos sentimentos que o destino fez o favor de me roubar. Não, não mereço isso. O mundo tem que permanecer da maneira que é e que sempre foi, as pessoas que amo devem ficar para sempre ao meu lado, os sons que me agradam devem tocar suavemente nos momentos que eu assim o quiser, os pássaros devem vir cantar-me aos ouvidos assim que o sol se levantar, a ternura deve despoletar quando o caos agita e a morte não tem o direito de destrui-lo, o meu pequeno mundo que tão loucamente adoro.
Inevitavelmente, não tenho os poderes que os homens atribuíram, no seu receio pelo desconhecido, aos Deuses e por isso o mundo do meu ideal vai ruir e o meu egoísmo será ainda maior e casará com o desprezo, com o desencanto, e aí a maldita cobardia acabará por ceder e eu vou poder reconstrui-lo, tal qual como era, no mundo que será destinado aos homens que, por cobardia, não de morrer, mas de querer continuar a viver, estiver destinado… E aí partirei para a luz distante… partirei para a luz distante…