segunda-feira, março 30, 2009


Parece-se com um diálogo com um estranho. Parece-se com uma interlocução com um desconhecido, um ser sem nome nem rosto que deambula pelos campos escravos do meu subconsciente. E, no entanto, há a nítida percepção de que travo um diálogo comigo mesmo, por canais e realidades impalpáveis, onde a minha voz, que é minha e que me pertence desde o dia em que comecei a falar, se transforma na voz de outrem que não é corpo nem alma, espírito ou físico. Há algo de melhor nas suas palavras que não consigo entender. Há algo de vago na sua mensagem que me faz estremecer. Vai-te voz do outro mundo, vai-te para longe. Liberta o meu corpo e dá voz às minhas memórias. Não mereço as memórias de uma vida que não vivi, que não experimentei, onde o sentimento calejado não foi o meu. Vontade estranha de rasgar o ventre para soltar o monstro que cresce, a voz que ecoa silenciosa nos meandros da minha audição, e de catatonia vitima, deixo-me conduzir pelos vocábulos sem sentido do espírito que me ceva. Nada pode ser feito de melhor do que o que foi feito por memórias e experiências alheias. Tudo o que existe é a obra muda e difusa de quem viveu permanentemente diante de mim e do meu corpo tomou posse. São vazios, vazios, vazios, repletos de vazios. Um conselho, uma palavra de reconforto, são tudo imaginações… O segredo fugiu-me e escondeu-se no lado oculto do meu pensamento, e o medo vive nas costas de quem carrega a alma que sucumbiu de receios. É tudo vazio, tudo vazio, vazio por demais.

segunda-feira, março 16, 2009


Luzes, milhões de pequenas luzes impedem-me de desfrutar da escuridão perfeita. Odeio as luzes. Malditas luzes que oscilam ao sabor dos movimentos irritantes da minha cabeça, que, na falta de consistência mental, vacila alarvemente de um lado para o outro, da esquerda para a direita, de cima para baixo. E tento auxiliá-la apoiando sobre a firmeza obsoleta duma cadeira ultrapassada. Olho para o infinito do meu interior, tão apinhado de sombras e escuridão que mal consigo discernir onde se escondem as minhas memórias e onde vive o meu medo, e as luzes exteriores que maldigo irrompem-me a minha retina sem que eu lhes houvesse dado permissão, e a amofinação de querer ver-me a mim a sofrer de um sofrimento azedo é dulcificado por luzes difusas e humedecidas que brilham para lá da janela que me expulsa do meu mundo. Que razão tenho para ter um momento de imaginação, que razão tenho para escutar os sons nebulosos que ecoam em meu redor, que razão tenho para acreditar que a minha vida é um sonho que se desenvolve no limiar do sono da morte. As noites aquecem de sofrimento, de angústia, de loucura, no âmago da minha solidão brilha um luz ténue e exânime, uma luz que talvez tivesse existido num tempo passado onde eu e eu éramos um só, com um objectivo comum, com esperança, com razões para acordar de manhã e levantar as mãos para o céu em jeito de agradecimento pelo grandioso sol que brilha ao renascer dum novo dia. Infelizmente, agora só sombras me contemplam pela manhã, sombras que destruíram o meu sono e que querem igualmente destruir o novo dia que acaba de nascer. O dia é um nado morto e eu acompanho-o na sua trágica demanda. Não há sol, não há um novo dia, não há luz. A luz é maldita e não deixa que sossegue, que aprecie cada segundo cáustico do meu isolamento.

sexta-feira, março 13, 2009


Vivo por viver. Vivo torturado dum tormento que não consigo descrever. O mundo não tem cor e as cores não têm brilho. Vivo por viver e para morrer. Por muitas voltas que dê à vida, o único ponto de referência que tenho é o desusado lugar onde permanece a minha atenção, um lugar cheio de ruídos de fundos e gritos de desespero, que, no entanto, não têm origem concreta ou simplesmente fogem ao meu discernimento. É banal viver aqui, é banal respirar este ar sem frescura, é tudo uma vasta choça enferma e desconceituada. O tempo passa rapidamente, mas para mim os segundos são eternidades que não podem ou não devem ser compreendidas, o mundo gira e pára e eu continuo às voltas nas mesmas questões de há não sei quanto tempo, numa busca incessante de respostas às quais jamais foram feitas perguntas, a rotina que se continua e se perpetua num enjoo e sofrimento que é por tudo indizível. As televisões calam-se e os rádios fazem votos de silêncio. As pessoas querem dizer-me palavras de conforto e esbatem na minha inépcia para dialogar, e interrogam-se da virtude do meu ser, que no seu âmago é frio e azedo, repleto de ervas daninhas moribundas e tempestades de ventos estivais. Que paisagem desalmadamente branca e cinza a que vejo na ruas repletas de deambulantes. Neves eternas encrostam-se aos corpos agitados da voz da infelicidade em sintonia absoluta com as neves que revestem as árvores da minha alma boreal. Quero lamentar-me, quero xingar-me, quero dizer de mim aquilo que penso e sinto, o que vejo e o que imagino, e tudo é um novelo de lã sem início nem fim. Talvez sangue, sim, é sangue que escorre dos caracteres do livro da minha vida, um sangue que não se parece com o sangue que aquece os corpos. Chamei-lhe sangue sentimental por senti-lo emanar das fendas sub-reptícias e camufladas da minha insanidade. Se eu soubesse que isto é desesperar, perder o horizonte e o olhar... Que sacrifício.

quinta-feira, março 12, 2009


Prescindi de me servir de ti para salivar os nós cegos que se atam avidamente ao caminho das palavras. Sinto a tua falta e mesmo assim sou incapaz de te apelar quando mais nada nem ninguém está disponível para me ouvir. E dúvidas começam a suplantar as certezas, as forças nas pernas começam a fraquejar e o sistema nervoso contraria-se a si próprio. Tenho amontoados de linhas que mantive em cativeiro sem que disso tivesse beneficiado, quando o que queria era desmontá-las em pequenas palavras e envia-las a ti, que lês, relês e critica-las, e não te deixas subjugar à ganância e ao egoísmo do meu pensamento. Poderia descrever-te com todos os pormenores, úteis e inúteis, a sensação de esmagamento que tenho na cabeça, a dor que advém de não ter a mestria de verbalizar os sentimentos, as mãos tremulas que transmitem a insegurança e a vontade insana de apagar da memória estas malditas reacções que me diminuem perante os demais. O curioso é que eu nunca pedi os demais, mas eles permanecem junto a mim como que a lembrar-me do castigo que me inflijo por querer infligi-lo por mim. O meu cérebro perde tino a cada quilómetro temporal percorrido e eu assisto impávido à minha destruição, querendo umas vezes desaparecer intensamente ou ficando parado na minha doce apatia nas outras tantas que não consigo enumerar. É um inferno viver em nós mesmos, esquecer que somos um grande ente que vive em função da funções do todo, apagar as luzes para dissipar o pensamento, como se isso fosse viável, e rendermo-nos ao esquecimento dos químicos. A minha paciência, que até hoje tem sido quase divina, começa a manifestar a sua fraca humanidade. Fartei-me de estar farto de mim, fartei-me de mim e fartei-me de me fartar. Quero mais…. Quero mais monotonia.