segunda-feira, novembro 17, 2008

Estrela Furiosa

Vem lá do longe o eco sofrido do desterrado sol que em tempos planava pelas planícies pardacentas dos campos ensanguentados das guerras que os deuses travaram nos tempos em que o tempo não era tempo e no tempos em que os homens não eram estrelas. Ele é brando, meigo, doce, ágil e delicado. Consigo senti-lo a penetrar-me a derme, a rasgar-me as veias e a percorrer-me o sistema circulatório em minúsculas fracções de segundo e é frio, doloroso, magoado, violento e talvez vingativo, suponho que seja vingativo, não sei se é vingativo ou não, mas temo-o pela sua facção vingativa ou pelo alvo da sua vingança, que posso ser eu, embora os motivos que justificarão este ódio de mim sejam uma ainda incógnita ininteligível. Que eco maldito e deforme é este que ouço com tanta clareza e que vive do dom de me pôr a estremecer pelo desconhecido? Que razões existem para que eu tema os resquícios de um som antigo a morrer lastimoso no vazio do espaço?
O som canaliza-se para mim, flúi paulatinamente entre a complexa estrutura atmosférica e esbarra no interior dos meus ouvidos, e no desenredar do ruído ouço o grito das estrelas a morrer. O som reentrou no meu corpo, mas desta vez está próximo demais do cérebro e consigo descodificá-lo, eu sei qual é o som dúbio que se apossou do meu frágil corpo, conheço as razões veladas a cada nota emitida, eu vivo no som e o som vive em mim, somos a simbiose imperfeita das leis do universo diminuídas a relação sonora entre um emissor e um receptor e dessa relação edifica-se um estranho rendilhado de tempo e espaço bem no centro do meu peito, e a reinar nesse tecido bordado pelas aranhas mágicas do universo antigo encontra-se uma estrela moribunda que está pronta a morrer. A sua fúria é ingovernável e o meu corpo é efémero demais para aguentar as forças que o seu descontentamento provocam, mas eu consigo tocar com a ponta dos dedos nos sentimentos mais profundos dessa estrela, que são largados latentemente sem que ela tenha consciência de que os liberta e eu toco-os, acaricio-os, beijo-os com os lábio e beijo-os com as palmas das mãos, e dentro desses sentimentos renegados emerge uma doce sensação de alívio, de paz, de serenidade da qual não me sinto nobre em receber. Porque é que esta estrela, mais submergida em fúria do que a areia coberta pela enchente do mar, liberta serenidade e comiseração no momento da sua morte? Porquê?
São expelidos rugidos que crescem e diminuem e voltam a crescer e a diminuir, e é impossível aguentar a violência desta oscilação estando tão perto do seu âmago, sendo o imo cósmico deste belo e pavoroso feito.Há raios de luz a serem emitidos em todas as direcções e eu próprio desempenho o lugar da estrela na hora da morte, que me escolheu de entre muitos para ser o escudo incerto da sua fúria e guardador da sua serenidade. Os raios trespassam-me e saem à velocidade da luz do meu peito e viajam rapidamente para outros lugares recônditos do universo, são libertadas as camadas exteriores da bomba estrelar, logo após ter-se inflacionado dentro de mim, comigo, inflacionamos os dois para que o caos não se tornasse na realidade da humanidade que é minha vizinha, felizmente para mim, que tenho nas mãos o poder para ver-me livre dela para a eternidade, porém não quero nem os acho com importância para sequer pensar na sua insignificante existência neste momento de loucura. Esqueço-os. As camadas, as camadas externas da estrela quebraram as algemas e partiram em debanda em direcção ao próximo canto que albergará a próxima nova estrela e o próximo novo conjunto de planetas ou a próxima nova nebulosa planetária. A minha estrela em fúria é agora uma super nova e eu sou uma super nova consigo e ambos brilharemos juntamente, mais e mais intensamente do que qualquer outra estrela, e no nosso centro há um acumular enigmático de matéria que se adensa tão rapidamente, tão ligeiramente que destruiu o cofre de sentimentos negros que eu mantinha lacrado no centro do peito, sentimentos que levei eras a amaldiçoar e que me amaldiçoaram posteriormente, a partir do momento em que saíram do coração para ocupar o vazio que existe na minha mente, e agora fundem-se com a matéria densa que ficou exposta no momento em que as camadas exteriores da estrela se projectaram para o infinito. A fusão ocorre, e a uma intensidade desconcertante, fundem-se, fundem-se, e a estrela voltou a fundir, mas desta vez não funde hidrogénio em hélio, nem hélio em carbono, nem carbono em oxigénio…. Está a fundir a matéria extremamente densa da estrela, o seu centro, com sentimentos excessivamente densos do cofre do meu coração e a densidade está a atingir o ponto critico, não há volta a dar… os raios de luz estão a encurvar-se e a voltar à esfera de matéria densa e sentimento negro, passam pelo seu interior, são sujeitos a uma incrível transformação e voltam a ser emitidos e são-no repletos em electromagnetismo, raios púrpura são emitidos dos raios que foram capturados… Mas que raios são estes, que foram sujeitos ao peso do centro denso da estrela e dos sentimentos negros que guardava piamente no cofre do meu coração? Que género de efeitos provocarão no tempo espaço e que consequências terão para o despoletar de novos acontecimentos cósmicos que até então pura e simplesmente não existiam… O casamento entre um buraco negro cósmico e um buraco negro humano. Olhem-nas, que em tempos foram as explosões de raios gama, já não são iguais, há nelas um peso, uma dor, uma angústia, um ódio pelo nascimento e pelo renascimento que ocorre a cada minuto no universo. Será… Serão estes os raios que, depois de cozinhados a altas temperaturas no centro duma estrela moribunda que preferiu morrer num interior dum homem moribundo, tomarão o lugar de cocheiros do coche maldito que trará o tão aguardado fim ao universo através da destruição da matéria conhecida e desconhecida, da total desregulação das forças que o sustentam, da consumição da luz…. Da eterna escuridão. -------------------------

1 comentário:

Henrik disse...

Quando é que publicas o romance? =-]