terça-feira, setembro 02, 2008

As duas existem e estão aqui, silenciosamente contemplativas






























Diz-me duma vez o porque de não ergueres esse corpo leve do canto escuro dessa sala onde te encobres, quando lá fora o tempo move-se lestamente e não se absorve se o acompanhas ou não, nem mesmo se importa com o fundo dourado da tua cela, que nada mais é do que um estratagema teu para enriqueceres algo que é pobre por natureza e irremediavelmente finito. Consegues escutá-los, aos sons quânticos, que atravessaram incontáveis dimensões para alcançarem este tugúrio vazio e magoado, roçando aos nossos ouvidos como pequenos queixumes que não sentimos compreender, talvez por falta de habilidade ou por falta de interesse, mas que, na realidade, estão aqui para contemplar-te e para te fazerem acreditar na tua própria veracidade enquanto criatura respirante e biologicamente presente.
Já não há luz no fundo da vida, sabias? A tua recusa permanente em combater as entidades escuras que te bajulavam afastou a luz, levou-a à exaustão definitiva, e quando lá chegares nem mesmos os olhos, que gabas serem os melhores de entre os animais noctívagos, valer-te-ão quando a boca da morte estiver aberta para ti, nos silenciosos últimos momentos em que o suor brota dos poros da derme a um ritmo metabolicamente executado. A miséria ve-me a dançar com as nuvens e inveja-me por ser eu um dos detentores do fluido divino que escorreu naqueles dias antigos em que os homens apedrejavam aqueles que pelos quais sempre haviam clamado em nome duma salvação egocêntrica e invejosa. Numa única noite banhei-me nele e dele ganhei a luz que cruza o universo à velocidade dela mesma, e não a velocidade de quem a quis prender em teoremas e fórmulas pequenas do intelecto humano. Eu dancei com a luz e os nossos pés chapinavam naquele sangue que vivia de aura distante e poderosa. A nossa dança prolongou-se até que os planetas dispersos se unissem sob a égide de um rei absoluto, intolerante e punitivo. Esse rei que, de guloso, quer morrer e da morte quer o fim dos seus mais próximos, num acto de petulância sem igual, pelo menos para ti, que és homem e não tens o dom de ditar sobre os ditados de ninguém. O que eras agora é apenas um antes que é para ti. Vale a pena um sacrifício tão ímpio e imoral levado a cabo por um impuro e pérfido ser humano. O mundo está quase completo na sua aparência disforme e só tu pensas conseguir vislumbrar por de entre as brumas que os acasos deixaram calmamente para ti, para tua confusão e para o nosso desespero, e o nosso novo amor ressente-se das estocadas frias que imprimiste aquando da tua irracionalidade psicótica, quando as trompas dos guerreiros medi orientais soaram do alto da duna que planeavas conquistar para ti, para teu próprio recreio, como se a duna quisesse responder e submeter-se aos teus singelos caprichos de criança sem futuro, sem arte, sem alma, sem vontade de viver, de vida de pernas para o ar, num caminhar em constante desavesso. Bonito, que bonito é ver o monte deserto a ser bordado com chamas e raios de sol, dum sol que ganha cor a cada disparo incógnito vindo do limiar do horizonte, local onde em tempos querias erguer um castelo, que nada mais era do que a tua câmara de torturas, porque eu sei, sei aquilo que tu sabes e finges esquecer… Eu sei que o teu sonho era destruir o sol, seres o seu algoz como ele sempre o foi para ti, cantando aqui e ali aquele som quase mudo ao qual te tornaste intolerante.
O veneno sobe lentamente às reacções eléctricas cerebrais e sentes-te afectado pelos seus efeitos, que não raras vezes dizes ser a melhor coisa que experimentaste nesta terra, que para ti não é novidade, que é e será sempre o teu reino, já que existes desde tempos imemoriais e continuarás a existir até tempos imemoriais, quando o sol e a terra forem meras memórias dum homem imemorial.

Perdoa-me se te maço, mas estar dentro da tua cabeça exige-me imensa interpelação, questões afloram das incongruências inconsistentes e doentes que montaram acampamento dentro de ti. Continuo a divagar nessa mente em dia de furacão.

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