quinta-feira, setembro 18, 2008

Explosão

Está calor em excesso, está calor em demasia, e não corre ponta de ar para aplacar o meu sofrimento, e a temperatura continua a aumentar em proporções indizíveis, tornando-me cada vez mais dependente deste ambiente ensopado, cálido, débil e repulsivo, mas apetece-me ficar assim estagnado, parado, a dar alimento ao ser sujo que é no meu interior, naquele local escuro e torcido a que só eu consigo aceder, quero enche-lo de nada porque é de nada que ele gosta de viver, e a humidade na derme está a incomodar-me cada vez mais, cada vez mais. O mundo parou para mim, suspendeu a sua viagem no ápice exacto em que despertei para a consciência, como se num momento insignificante do tempo um sinal vermelho despoletasse duma curvatura esquiva daquilo a que uns chamam fado e outros chamam destino e ordenasse “pára, mundo, que alguém de longe veio para que o teu caminho ficasse imobilizado naquilo que um dia irás ser, que é exactamente aquilo que foste e nada mais”.
As mudanças subitamente deixaram de ocorrer e os movimentos descoordenadamente harmoniosos dos humanos nos seus formigueiros tornaram-se maneáveis, pardacentos, acabando por cessar e silenciar, e só eu me movimento, só eu consigo agitar as pernas com vontade de correr e a imagem do horizonte não afunila, permanece parada, as minhas pernas esforçam-se por dar ao meu corpo movimento, mas é tudo uma repetição aborrecida do ontem, do anteontem, do século passado, do eternamente para trás, até ao instante em que um Deus satírico e algoz deu à Luz uma bolha que cresceu e que deu à luz a Luz e que deu à luz o sol e que deu à luz a terra, que deu à luz a estagnação dos filhos que não deu à luz por saber de antemão que a inépcia de voltar a dar à luz atormentá-los-ia até ao fim da sua existência. Pois é, a eles foi jarretada a arte de dar à luz e isso fere-os e eles procuram quebrar o feitiço, contornar o destino, mas é do fado a arte de contornar e não daqueles que não podem dar à luz, dos não eleitos que fustigam o próprio corpo em nome da infertilidade.
Que mundo, Deus satírico e contemplador, que mundo feio que tiveste em pensamento quando optaste por deixar eclodir a bolha que seria o destino desse mesmo mundo, que maldade, que castigo, tu nunca tiveste o céu para dar porque limitaste-te a criar um inferno para onde reconduzes vermes que terão te aborrecido algures num momento e num espaço que só a ti fará sentido e só em ti será reconhecido, e os homens nem sequer aceitam que limitaste a sua existência à pequenez desse inferno que a determinados momentos deixa rever situações que foram nele em algum momento da sua existência prolongada aos olhos dos pequenos e tão curta aos teus olhos. Começo a perceber-te como perceberam os homens que viram em ti o único e verdadeiro deus, sem nunca alcançar a tua verdadeira forma, eu sei, mas mesmo assim consigo sentir no coração deles o medo e o receio que sentiam por sequer dizer o teu nome em vão, se o castigo era a loucura a que os sujeitaste e que agora sujeitas a mim. Leva-me para junto de ti, onde as estrelas não são estrelas e as galáxias não são galáxia, onde a luz não é luz e o que é não é. Peço-te, permite-me acompanhar-te naquele primeiro instante em que revelaste a tua verdadeira face, antes de te ocultares para sempre nas enigmáticas fórmulas que não conseguem chegar até ti. Eu estou contigo aqui, nesse momento e vejo-te tão bem como vejo o ecrã da máquina dos homens que me apoia na queda para o abismo, e clamo pelo teu nome para que possamos explodir os dois, sabendo que o amanhã era o ontem em que tu mesmo foste gerado. Vamos, que o meu corpo é susceptível à maldade e às armadilhas que deixaste no inferno em forma de bolha…. É agora………………………….

1 comentário:

Henrik disse...

É a Hora! Texto magnífico. Como a ficção imita a realidade ou a realidade imita a ficção (por vezes não sei qual delas é...) a mim, enquanto leitor, e por mais repugnação escrita que aventes, a verdade é que tu buscas um infinito qualquer, a paz absurda de um deus que não seja titereiro que seja ou humano ou não exista. Que seja algo eficaz e não apenas uma presença manifestada por ausência...teus textos fascinam-me...abraço.