terça-feira, setembro 09, 2008

Labirinto

Propaga-se a luminosidade a centímetros da minha densidade corporal e eu estou fraco demais para poder felicita-la com uma carícia. Que frustração, que raiva incontida que procuro conter, não disporia de momento melhor para voltar a viver, ou pelo menos a acreditar, num mundo de luz e este peso enfático que facilmente me abomina impossibilitou o passo em diante que fustiga a minha lucidez. Não consigo assimilar o cerne da vida que se desenrola aqui na terra, e, contudo, procuro enquadrar-me ao quotidiano de todos aqueles que se me afiguram como exemplo, sigo as suas regras, respeito os seus rituais essenciais e edificativos, mas há qualquer coisa bem cá dentro da psique que funciona como uma corda eterna que me prende ao buraco. Se a normalidade domina a minha existência, é porque a normalidade é maçadora, aborrecida, definida e cumprida por seres humanos que desconhecem o que é viver na plenitude das potencialidades da vida. Se fujo ao comboio e opto por linhas paralelas e algo difusas, algumas criadas por espíritos desenquadrados como eu e outras que foram trabalhadas e arduamente ajustadas ao solo por mim próprio, crava-se um sentimento gritante de silêncio e paz em meu redor, um silêncio e uma paz que me fazem ressurgir duma viagem ao tétrico e ao abominável da consciência humana, mas, ao mesmo tempo, a solidão e a falta de palavras concretas, palavras ditas pelos lábios ternos de uma amigo e que flutuam no ar até se engastarem aos meus ouvidos, abrem chagas incuráveis no meu âmago e o sangue aumenta de tal maneira nas minhas entranhas que tenho obrigatoriamente que o expelir pelos orifícios abençoados que, felizmente, Deus deu aos infelizes e que são duma vulgaridade imensa e costumam ser chamados de olhos, é verdade, os meus olhos choram sangue numa intensidade incompreensível mas também invisível, porque é à alma que foi concedido o privilégio de lavar-se em lágrimas de sangue, só ela é digna duma catarse. E ninguém vê o sofrimento, porque ele não conhece alternativas de expressão, limita-se a fazer-se manifestar pelos meandros do desconhecido mundo que rodeia os nossos corpos, umas vezes em jeito de punição, noutras em jeito de comiseração, e as pessoas, quer sejam próximas e queridas, quer sejam anónimas e distantes, não sabem os segredos para quebrar o encantamento do labirinto de estados de alma que rodeiam os sofredores do vazio, que me envolvem a minha. Não há chave, não há código encantado, não a catapulta nem aríete que quebre e destrua as paredes do labirinto, simplesmente continuo sentado numa cadeira fria e cinzenta que jaz no centro equilibrado dum círculo e olho as pessoas, vejo que as suas bocas se movimentam, sinto que sentem sentimentos, que vivem com alegria e eu estou retido numa emaranhado de irrealidade que se vão acumulando em meu redor.
Queria sinceramente que houvesse alguém com o condão de me tirar daqui, com a calma com que se ensina um faminto a pescar, recuso uma saída brusca, violenta e não me sinto em condições, nem à altura, de esbarrar com um mundo que me é estranho e confuso, mas que é aquilo que quero, a amnésia para a minha loucura e o caminho silencioso que abre, lá no fim, para uma imensidão de luz.
Mas continuo a imaginar situações bonitas que mudariam o meu estado de alma caso eu tivesse a força motivadora, a vontade firme e o desejo real de sair daqui, e, de facto, é tudo apenas uma das inúmeras mentiras que tento vender a mim próprio. Ninguém percebe, ninguém vê, eu continuo a ser e a existir no mesmo mundo em que existem as pessoas, mas a minha imagem, aquela que é reflectida pelos meus olhos, é totalmente desfocada em pensamento cuja origem desconheço mas que acredito provirem de algum mal de ordem mental, um mal que teimo em não querer assumir e que alimento no fluir da minha continuidade temporal, vivo e consciente.
E depois surgem as interrogações…. Se eu fosse de outra maneira, continuaria a encontrar forças para resistir, continuaria a apreciar as coisas grandiosamente insignificantes do ser humano, da terra, do sistema solar, da via láctea e do universo em geral? Teria disposição ou auto motivação para contemplar situações que em grande parte carecem duma profunda solidão para serem vivenciadas em todo o seu esplendor?
Peso nos olhos, peso nos olhos, pouca fluência de ideias, lobos cerebrais em quase dormência… erros

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