segunda-feira, dezembro 15, 2008

Aqui estou, novamente a cavar a sepultura onde de futuro serei a recordação infeliz de um corpo que em outras alturas teve uma alma. Continuo a cavar com a mesma intensidade e impetuosidade que cavei quando o buraco era apenas uma passagem tenebrosa e infinita para uma realidade à qual jamais me acostumaria.
Lembro o dia em que o buraco desmoronou como lembrarei o dia em que o buraco que cavei voltou a fechar-se, e nesta sucessão de lembranças acordo para a verdade daquilo a que, com contemplações e falas meigas, me sujeitei sem clamor nem alteração. O ritmo de trabalho assemelha-se a um caminhar desajeitado de um aleijado, que por não saber andar, preferiu atirar-se a um rio e pelas águas sujas e malignas ser conduzido, sem contudo obliterar o caminho que, com dificuldade, foi traçando com o arrastar lento e pesado do seu corpo morto, que é morto desde o dia em que em lágrimas despertou para a vida. Nesse caminho há tempestades assustadoras e raios que se revoltam em variadíssimas direcções, e no fundo de um vale encoberto pela luminosidade de uma estrela que não é feita da mesma matéria de que são feitas as estrelas a que vulgarmente costumamos associar a luz que por elas é emitida, que no fundo pouco ou nada representam quando comparadas com a cerração a que o sol sujeita aqueles que da noite fazem dia e do dia um sarcófago para uma mentira, abre-se a possibilidade de deixar de cavar para cair num buraco feito por outros iguais aos outros, mas senhores de uma outra cobardia, a cobardia de descobrir se do lado de lá há alegria.
Tempos mortos estes em que a chuva cai em direcções incertas sobre uns ombros que carregaram fardos invisíveis, mas estranhamente penosos, tão enfadonhos quanto a monotonia pode ser enfadonha e o fado que uma estrela que deveria resplandecer pode doar-nos a nós, amantes duma obscuridade que não concebe outra situação que não a luz, mesmo quando das paredes escuras dum céu carimbado de estrelas se forma uma luz que não serve para iluminar. É isso que me entristece e me incentiva a continuar no cavar para uma posteridade na qual o reconhecimento será dado aos montes de areia que se formam aqui e ali e que em nada contribuem ou contribuirão para o reacender da chama das estrelas caprichosas e bandidas que acenam alarvemente, sem contudo atribuir aquilo que, por palavras mais sinceras, poderia representar um rasgo de felicidade. E a tristeza afunda-se em nós e o barco que é a nossa alma, que vigorosa - como o barco a que correspondia - navegava sobre as vagas de um sentimento soturno e desconhecido, perde o barqueiro lúcido que sabia que destino poderia hipoteticamente agradar à sua tripulação, tristes bandidos duma noite sem luz que, na amargura de uma amanhã que será exactamente igual ao amanhã que foi ontem, continuam na árdua tarefa de cavar o buraco que se abriu no dia em que, com lágrimas e pranto, despertaram para a vida. Deste lugar tolhido pelos antepassados dos homens que acreditavam na beleza de um futuro em que as estrelas não só iluminariam os caminhos do dia, mas também iluminariam os caminhos da noite, não quero recordação que sobreviva ao dia em que o corpo regressar ao buraco fechado que assim está na certeza de que esse corpo ao buraco volta porque da sua alma foi rendido. Infernizados sejam todos os que me venderam sonhos com defeito e futuros com alegrias em catadupa. As catadupas defeituosas de sonhos destruídos são a única recordação que ficou desse caminho amargurado que com o corpo pesado de uma aleijado percorri. Vou apagar as luzes falsas que me alumiam, para de seguida jogar-me ao buraco encerrado que jamais voltará a ser aberto a não ser por magia, uma magia que não conhece outra qualquer e que reside dispersa em bocados de papel apodrecido, e dos sonhos desfeitos, das estrelas manhosas, das verdades absolutas, das tempestades de raios, dos despertares em lágrimas para o pesadelo que foi uma vida libertar-me-ei para sempre.

4 comentários:

**Viver a Alma** disse...

Salvé!
Uma promessa que se espera acesa na confiança, e destemor de si.
Gostei muito.
vou "lincá-lo".

Até...
Mariz

ESPAVO! - como em MU

sombra e luz disse...

pois...
preto no branco...;)
gostei de como conseguiu dar aquela expressão ao seu olhar com tão poucos e dispersos pixeis...;)

muito bem.
ria-se lobinho!... deixo-lhe um beijinho...;)

Isabel Metello disse...

Queríamos desejar-lhe um Natal e um Ano Novo Dourados, com uma moldura rosa shock pink debuada a padão leopado...

Abba Socas,

A equipa: Vaca Gallo, Belita Ajo de Martello, Demónio da Pasmânia, Infeliz Mente e Sua Leviandade Lá Vai Lama...

sombra e luz disse...

saulus, saulus...;)
como vai?...

aposto em como você para chegar até essa, tem por aí montes de outras imagens que bem que podia mostrar mais à gente...

mas não foi dizer isto, ou outras coisas tantíssimo pertinentes, que eu vim cá fazer...;)
vim foi desejar-lhe boas festas, concerteza! sua alteza, minha imperatriz, grande actriz...;)

querido, deixo-lhe um abraço
e um embrulhinho com um laço...;)