segunda-feira, dezembro 01, 2008

1893

Queria escrever alguma coisa, pequena que fosse, acrescentar um bocado de mim à imensidão obscura que me envolve, libertar-me destas amarras que me chagam os pulsos, que fazem com que recue quando quero avançar, mas não tenho força, sou fraco, meloso, débil, fraquejo sempre nos momentos em que o destino me favorece com meia dúzia de portas abertas. Continuo a ser um bruto mal agradecido, um egoísta, um ser pérfido que gruda indirectamente a realidade à sua teia para depois, aí directamente, a destruir… Não o faço por mal… é a danação que me calhou.
Continuo a pensar em mim e em mais nada, continuo preso ao fascínio que tenho por mim mesmo, que me faz adorar os dilemas e problemas em que vivo e que não existem, e oculto-me sob o véu farto dum belo olhar que pouco mais percorre do que a distância entre a ida dos meus pensamentos até à retina e o caminho de volta às minhas idiotices. O meu cérebro é feito de poeira, que levanta à mínima agitação, ao mínimo movimento, transformando-se subitamente numa confusão que se centra sobre as confusões que o compõe a si mesmo. Não há Inverno nem Primavera que quebrem ou façam renascer ao folhas que se alimentam eternamente de ideias nos galhos da minha obsessão por mim mesmo, e os anjos das religiões pequenas continuam a ser os alvos preferenciais da culpabilização por o universo continuar circular em meu redor, pelas coisas pequenas e grandes manterem as suas órbitas no limiar daquilo que pode ser por mim processado através das experimentações pelos sentidos, quando nada disso acontece, é como se o meu peso e pesar obrigassem os espaços e os tempos a condescender e as realidades, os pensamentos, os sentimentos, as agitações, os receios, as peripécias e a vida das pessoas ficassem conglutinadas em mim, mesmo sabendo que incomodam profundamente, os seus sons, os seus movimentos, a sua afectuosidade, a sua paixão, o mundo em que vivem, e eu próprio, raios. O mundo, este onde eu e todos os outros existimos, uns com prazer, outros com ódio, dilacera-me de dentro para fora, debaixo para cima, faz-me querer parar de respirar a qualquer momento, rasgar a carne e sangrar até não poder mais e fenecer. Mas a cobardia, a maldita cobardia que proíbe que eu dê o passo seguinte, o medo de perder as pessoas, os sons, as agitações, os cheios, os sentimentos e a vida que tenho é maior do que a falta de vontade de permanecer neste lugar infernal que existe para que as pessoas penem por crimes que realizaram numa realidade e num tempo que só a Deus compete delimitar, um designío divino cheio de incongruência e falácias. Este lugar dos infelizes é cruel, doloroso, sombrio, mas é tão belo… o mundo que se construiu à minha volta e no qual eu, qual criança que brinca com os legos, fui colocando as minhas peças, este meu mundo é lindo e eu adoro-o, não o quer perder e amaldiçoo a morte por saber que um dia ela mo levará, mo roubará, mo tirará sem dor nem clemência, com prazer e satisfação, e vou ficar aqui assim, estendido, pasmado, a sofrer pelas pessoas, pelos sons e pelos sentimentos que o destino fez o favor de me roubar. Não, não mereço isso. O mundo tem que permanecer da maneira que é e que sempre foi, as pessoas que amo devem ficar para sempre ao meu lado, os sons que me agradam devem tocar suavemente nos momentos que eu assim o quiser, os pássaros devem vir cantar-me aos ouvidos assim que o sol se levantar, a ternura deve despoletar quando o caos agita e a morte não tem o direito de destrui-lo, o meu pequeno mundo que tão loucamente adoro.
Inevitavelmente, não tenho os poderes que os homens atribuíram, no seu receio pelo desconhecido, aos Deuses e por isso o mundo do meu ideal vai ruir e o meu egoísmo será ainda maior e casará com o desprezo, com o desencanto, e aí a maldita cobardia acabará por ceder e eu vou poder reconstrui-lo, tal qual como era, no mundo que será destinado aos homens que, por cobardia, não de morrer, mas de querer continuar a viver, estiver destinado… E aí partirei para a luz distante… partirei para a luz distante…

1 comentário:

Henrik disse...

Eu de luz, hoje, só a ausência dela.