sábado, junho 21, 2008

Desconheço-me

Tenho sono, estou cansado, o meu corpo já não obedece à minha vontade e deixa-se possuir por uma estranha necessidade de repousar, pela suprema vontade de desligar. Estendo-me na cama, fecho os olhos, hoje estranhamente pesados, sinto que as minhas mãos percorrem a frescura dum lençol e contemplo a escuridão que domina o meu quarto, a mesma que amo acima de qualquer outra coisa, a fiel companheira e conselheira, a confidente dos meus ais. No tecto, consigo visualizar as estrelas que decoram a abóbada celeste, e aprecio o seu enigmático bailado, subindo e descendo no fundo negro duma noite sem nuvens, o mais belo manifesto do equilíbrio e da elegância cósmica. O meu coração está entregue a uma entidade espectral que não conheço, mas que ao mesmo tempo sinto conhecer desde o inicio dos meus dias, mesmo antes de ter despertado para a vida extra uterina, uma companhia ausente e presente que coabita comigo e com a qual jamais contactei. É uma entidade de dor sem fim, um fardo em forma de gente que não conhece alívio nem repouso, que sofre porque assim lhe destinou o universo, e chora, chora como se a sua existência se resumisse a chorar. A sua dor comove-me, fere o coração que sempre recusou o reconhecimento de sentimentos, que não conhece compaixão nem empatia, mas o seu lamento é tão profundo, tão vivo, tão sentido, que é impossível ficar-lhe indiferente, mesmo quando somos mais frios e insensíveis do que as pedras. Quero interrogá-la saber quais as razões de tão dolorosa amargura, conhecer os porquês da sua constante presença a meu lado, mas existe uma barreira que torna inviável a nossa comunicação. Sou mudo quando careço da habilidade de falar, quando no meu cérebro afloram questões cujo conhecimento me escapa, e isso dói; dói querer abrir a barreira de cristal e desabafar a loucura que nos assola, que comanda o nosso pensamento, desde o simples reflectir quotidiano, até ao âmago recôndito no nosso subconsciente, e simplesmente não conseguir. Porquê, porquê de o mundo ser assim, frio e ausente, porquê da minha voz querer fazer-se ouvir e esbarrar contra o receio e o medo dos fracos, porquê de eu viver quando a vida não tem sentido?
Só se esse espectro sofredor que habita na zona de influência da minha força gravitacional for o reflexo do meu interior. Será? Será que esta letargia em forma de energia é tudo o que insisto em não admitir? Não quero crer naquilo que penso, não quero ser aquilo que sou, não quero a vida. Não quero sentir compaixão pela manifestação viva de mim mesmo, não quero continuar a não enxergar a realidade que existe para além de mim. Isto tem que chegar a um fim. Os dias queimam-se e as noites ardem no infinito do cosmos e eu permaneço a olhar o centro galáctico do meu ser. Estes sentimentos que afirmo não conhecer estão cingidos à minha vida, olho ao espelho e, a cada troca de olhares comigo mesmo, eles volatilizam-se no infinito que nos separa. Fim, porquê é que não chegas. Eu não sou benéfico, eu não trarei qualquer espécie de novidade a esta terra, escapa-me a fórmula para mudar-me, quanto mais para reflectir alguma utilidade à humanidade. Vou perecer, o sono é mais forte do que eu, eu sou mais forte do que a minha vontade, não há racionalidade que funcione...

3 comentários:

Henrik disse...

Alguém se conhece?
«Há-os cuja alma é de uma sensibilidade extrema: sentem em si todo o Universo».
«Só a insignificância nos permite viver. Sem ela já o doido que em nós prega, tinha tomado conta do mundo. A insignificância comprime uma força desabalada.

Raul Brandão, Húmus.

P.S. a 1.ª julgo que se adequa ao que tu és. A 2.ª enfim...diz-nos muito aos dois. Abraço.

sombra e luz disse...

abraço saulus...;)
é o mistério... o destino de estar vivo... aguente-se!... mesmo sem racionalidade há um desígnio... insondável... mas premente... inadiável... aguente-se...;)
Bem sabe, fico a torcer por si...

Anónimo disse...

As palavras desenhadas, pelo Paulo, aqui, são semelhantes ao barro na mão dum artista que se esforça por modelar de forma a criar uma estátua pálida e amarelada pela melancolia, e cujo efeito (pretende ele) seja um verdadeiro monumento da Resignação a sorrir à dor. Mas quem fundirá o metal apartir de molde-de-barro-lamento? ... ... ... Apetece acreditar em Deus.