segunda-feira, julho 07, 2008

Anjo Louco

Sítios vazios que ardem pelo fogo sem razão que desconhecidos não conseguem descrever, memórias esvaziadas e embusteiras que se ocultam dentro de espelhos fictícios nascidos das lágrimas brandas que pernoitam nas minhas íris, fantasmas deambulantes e objectos inclassificáveis que se maneiam por movimentos incógnitos e percorrem o céu azul sem nuvens a velocidades impressionantes, são receios profundos e sem fundamento que atormentam o mais imenso e interno da minha consciência, temores fantasiosos cujo poder me deixa absolutamente aterrorizado… Fico sempre na dúvida, na sensação de que as coisas que povoam os meus imaginários têm qualquer coisa de concreto, deparo-me com elas em diversas ocasiões, em momentos em que não tenho qualquer dúvida da situação da minha consciência, quando, na maior das certezas, reconheço que estou acordado, a viver de sensações exteriores que preenchem a minha mente e lhe conferem a sua forma, a sua experiência e o seu conhecimento de senso comum, mas a sua raridade, a sua quase inexistência, a volatilidade da sua fundamentação fazem-me regredir, rompem-se questões, conduzem-me à loucura. São momentos tão estranhamente fantasiosos e tão concretamente reais que fico na perplexidade sobre a sua verdadeira feição. O que de real tem um objecto em forma de pássaro amparado pelas correntes de ar quente que se elevam das camadas mais decadentes da atmosfera, girando ao sabor de uma força desconhecida e anormalmente intrigante? O que de real têm as luzes foscas que me acompanham nos cigarros, que vagueiam pelo céu prenhe de estrelas e que repousam, não raras vezes, ao meu lado? E as memórias que me atacam cobardemente durante o sono sobre experiências que não me recordo ter vivido, páginas da vida que repousam recalcadas na biblioteca da memória, quais as razões das suas presenças indesejadas e porquê de eu não as associar a factos da minha vida normal, aos momentos em que dou e recebo partes de mim e partes dos outros, à plena consciência. E depois assombram-me medos surreais, agonias pelo desconhecimento estúpido e pela falta de organização que grassa no meu cérebro. Não sei se me devo entregar aos caos crescente que envolve a minha vida ou se devo simplesmente deixá-los, silenciosos e perturbadores, no cofre das mentiras, naquele celebre sepulcro lacrado que guarda piamente os medos, os receios, a dúvida no desconhecimento, as maldições e a estupidez que preenchem os seres humanos fracos que habitam neste planeta. Eu não quero ser um ser humano fraco, um ser humano dominado por dogmas, profecias, fantasias e mentiras. Simplesmente queria que esses conteúdos negativos saltassem da minha tampa e fosse chatear outra alma, porque eu já possuo a minha quota-parte de situações caóticas a congeminar no meu cérebro. Mais? Mais para quê? Para que se manifeste o novelo de comportamentos e pensamentos esquizofrénicos que tenho tentado ocultar, apagar, remover da minha vida?
Eu, no mais profundo silêncio, ouço vozes, ouço lindas melodias que não tem origem concreta, sinto vibrações estranhas que me remetem para sussurros que não consigo compreender e não sei se são apelos, chamadas de pranto ou meros olás. Ai Deus, eu estou a enterrar-me na loucura a passos largos, dia após dia, mais uma parede de pensamentos insanos a barrar o meu acesso à sanidade, mais um manto de trapos a cobri-me de atitudes pouco recomendadas e socialmente correctas, o meu mundo está a contrair-se com uma voracidade assustadora, a uma velocidade atrofiadora, o mundo exterior está a desintegrar-se totalmente, a matéria caminha agrupada na minha direcção, não consigo evitar, há uma força em mim que não domino que está a provocar o maior caos em tudo o que me rodeia, que se reduz a pequenas partículas que são posteriormente absorvidas pelo meu corpo e desaparecem para jamais aparecerem, findam-se e escapam deste universo, deixam um hiato de matéria e fico eu e um profundamente amargurado vazio à minha volta… Por favor, Paulo, tens que esquecer tudo isto, partir para aquele mundo que tão bem conheces e nascer de novo para usufruíres das belezas que ele tem para te dar, não te deixes fascinar pelo sentido constritivo da tua loucura, não ames a vida receosa e sem fundamentação que somente perpetua a tua desorganização, a tua entropia e enorme vontade de consumir tudo o que é energia e matéria que te envolve. Não és um buraco negro, nem sequer o podes ser, para que continuar a agir como tal. Eu ouço a corneta da morte a zumbir aqui, nos meus ouvidos, o que chama para o outro lado solta gritos lapidantes que abalam a minha robustez física. Quero sair daqui, quero liberta-me deste cárcere. Oh, não pode ser, ele está a enumerar-me as barbaridades que os seres humanos cometem com prazer, ele faz-me beber da maldade humana e eu sinto-a a instalar-se nos meus aposentos, são coisas que recuso dizer, a minha voz enfraquece, não posso dizer, as paredes dos monumentos eternos da antiguidade estão a ruir e os abutres circundam o meu quarto, mas não há janelas, não estou em África…Não podem ser abutres. Por favor… berrar, quero berrar. As luzes descrevem estranhos deambulares bailantes, valsas energéticas e penetrantes que causam a cobiça dos meus olhos e eu não quero olhar…. Tenho um segredo escondido que não quero abrir… Quem me legou nesta maldição. Não mereço maldições, não, não as mereço por razões nenhumas. Eu nasci para ser anjo, longe da maldade e do pecado. Eu quero trilhar o meu caminho e chegar à divindade, voar sem asas, respirar sem pulmões… A eternidade, o casamento com o universo, eu existe para que os humanos disponham de momentos de felicidade e não quero, nem vou querer quaisquer benefícios próprios. Só quero que toquem o meu bem, que usufruam de bem-estar de paz e de felicidade, mesmo que seja efémera e ilusória, quero vê-los felizes. A mim não, A loucura está a matar-me e a dificultar a minha ascensão aos céus. Deus, porque me legaste este destino….

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