quinta-feira, julho 17, 2008

Soluções, baixar os braços, fechar os olhos, entrar em combustão


Choram-me os olhos de modéstia. Lamento não ter consigo afastar-te de mim para ascender definitivamente aos céus de luz, mas és mais forte do que eu, tens poderes aos quais não consigo abarcar, és dono da música mágica e da cara de anjo, e sei que vais ser a maior estrela que o universo já viu, meu demónio maldito, serás a estrela da morte, não tenho dúvidas. Consumirás toda a luz sem temor nem piedade, e em torno de ti haverá o sombrio, o gélido, o mutismo e o desabitado, a pressão e a gravidade infinitas, nada poder-te-á resistir, e fico sem palavras enquanto te observo a subir, a subir, a rasgar a linha de azul que nos envolve, e a subir.
Fui fraco demais em ter-me revelado a ti através da minha mudez, porque jamais imaginaria que dominavas a capacidade de ler através das linhas do rosto, de te fundires com os traços que definem os estados de alma e atingires a definição máxima de nós próprios. És bárbaro e oco, és mais ambíguo do que o vento e mais volátil do que o ar, em ti toda a coisa do mundo parece banal, parece paisagens etéreas e desprovidas da essência da vida, em ti há o ser dum ditador que morreu há muito e inferniza o teu existir, fazendo com que o teu amor seja bélico, perigoso, atomicamente devastador. E a quem amas, pergunto eu? A ti, a mim, ao céu iluminado ou ao vazio sem luz? Pegaste nas minhas fraquezas e prendeste-as na arca dos sentimento gelados, selaste-a bem selada e mandaste-me para o horizonte de eventos dum buraco negro, na esperança de que eu deixe de ser aquele que te acompanha noite dia, a doce paixão que te alerta para a verdade que recusas reconhecer, sim, eu sou o verdadeiro demónio que atrofia a tua maldade, e faço-o com toda a bondade da terra a irradiar-me das mãos, elas brilham de tal forma que a tua atracção pelo abismo enfraquece, obrigando-te a libertar os fracos que optaram por entregar as suas existências extenuantes a ti, para que os guie para o nada, para o vazio, para o inferno de silêncio das almas fracas que optam por abdicar…. De quê… dá vida, da angústia constante que aumenta de manhã quando o sol se ergue e o corpo repele o repouso da cama. Mas o meu corpo não repele a cama, o meu corpo clama e mal diz a cama, estou ás portas do desespero tal é a indefinição que motiva o meu corpo. Quer repouso e quer agitação, tudo em horas baralhadas, em períodos que não deveria quer, durmo de dia, em duas horas de relaxamento e transbordo-me de energia à noite, longa e silenciosa, para ficar a ver o relógio passar e as estrelas a cruzarem a esfera celestial, cheias de pesar, cheias de dor porque o meu amor está disperso pela incapacidade de relaxar ou reflectir.
Devaneios, devaneios soltos e perdidos que não se aprisionam no fundo da consciência e me obrigam a noites de infâmia e desatino. Licantropia? Será Licantropia, não, não acredito na Licantropia, o lobo que há em mim existe desde sempre, é a herança de minha mãe para o meu sofrimento, para a minha solidão, para a minha incomunicabilidade, para o odio aos seres humanos e para o receio que sinto deles. Choram crianças que quero proteger. Elas são inocentes, não tomaram a cápsula da humanidade que promete a maldade e o egoísmo eternos. Alguém compreender que é esse o segredo que ninguém ousa proferir, a blasfémia máxima assim considerada pelos homens maus.
O términos da luz, é aqui ao meu lado, com pétalas a desprenderem-se das flores e sangue a jorrar dos caules, são momentos atribuídos à graça divina que completam a sobrevivência a preto e branco. Eu não quero acreditar, recuso-me a acreditar e sou jogado a um canto enquanto as pobres flores padecem.
Vou chorar, chorar, chorar de alegria. Vou chorar eternamente em nome da alegria que nunca tive, que sempre recusou contemplar-me, que foge de mim a sete pés sem me contar os motivos que a levam a tomar essa atitude. Eu acredito nos meus olhos que mentem mais do que os homens, que me mostram paraísos inesgotavelmente belos que não existem a não ser na minha imaginação. Mas eu continuo na minha demanda pelos anos-luz de distância que me afundam das minhas irmãs iluminadas, quentes e cansadas. É a única razão para me manter firme a esta terra. Eu solto os ouvidos e ouço o silêncio, e ele guia-me lentamente para o lugar que eu deveria ocupar no espaço sideral, e eu esforço-me por chegar lá, mas há braços e cabeças que aparecem da terra e agarram-me veemente, não me querem deixar partir. Assim eu não consigo rumar a minha vida, enfraqueço e perco as asas que me possibilitariam voar, ohhh, já não sei voar, que maldito fim, tive as asas e esqueci de como hei-de voar.
É esta a minha escuridão, é melhor do que teria sido, fria, sozinha, fraca, presa a aquilo que desejei e não consegui alcançar, deixo os meus olhos para trás e eles encaminham-se para um espelho que me pergunta “vais desistir. Não te vou perdoar e jamais te permitirei o céu, tudo o que consegues tocar é o horizonte e jamais passarás para lá do horizonte”. Foi isso, tive sonhos de voar e voei demasiado perto das estrelas, sou o Ícaro dos tempos modernos que não escutou os avisos silenciosos das almas penadas que me ladeiam soturnas e espectrais.
Crucificaram-me na minha cama, com pregos e tudo, consomem-me a minha energia vital e celebram a minha derrota, frio desfecho. Eu queria ser crucificado à moda antiga, pagar pelos pecados dos outros na mais profunda agonia, queria pregar pela verdade que ninguém encontrará, porque, depois de mim, o silêncio críptico reinara. Já não acredito em quem sou ou no que seria se ascendesse às estrelas. Precisava de unhas para me agarrar à esperança, mas afinal a esperança é líquida e unhas não serviriam de nada, só atrapalhariam. Agora devo nadar e não escalar, falar eternamente para jamais calar. Quero penitenciar-me dos pecados, limpar-me deste destino… Quero que a minha divindade se solte das noções que foram crucificadas pela figura da viúva que chorava por mim enquanto eu decaía ao esquecimento. Estou sem forças. O combate deixou-se exausto, estendido numa cama, sem vontade de dormir, apenas me resta a vontade de voar.

1 comentário:

Henrik disse...

Soluções? Decisões. O homem não resolve nada, decide fazer algo. A vida cai-nos no colo e ou a embalamos ou enxotamos. Mas nunca a resolvemos. Decidimo-la, fazemos isto: aquilo, aqueloutro. A combustão somos nós, fogo mal acendido e consome e consome e somos cinzas mas ainda caminhamos e somos cinzas e não há aves que nos valham e somos cinzas e de cinzas passaremos a terra. Mas decidimos.