sexta-feira, julho 04, 2008

Minutos em Combustão (com aditivos)

Os minutos fogem de mim ao ritmo duma melopeia de piano, sorriem, calorosos, no ápice da partida, despedem-se de mim com um golpe profundo no coração e efectivam-me ao infinito do tempo, remanescendo eternamente no transcorrido. É difícil suportar a mortificação de um minuto, que passou e teve nada, é doloroso o despertar para a vanidade, quando sentimos plenamente que a vida é infrutífera e baixamos os braços em jeito de submissão. Quanta falta de personalidade, que tamanha falta de amor-próprio, o tempo consome-se como o fogo rico consome uma floresta, e não sou bombeiro para apagá-lo, para lutar contra a sua disseminação, limitando-me a assistir benevolente à sua combustão. Mas a luz do fogo do tempo é demasiado bela e os desejos de incorporação de um bombeiro rapidamente se esvaecem e perdem grande parte da sua importância em função da maravilha estética que é a combustão do minuto, porém não se ausentam nem se expatriam para outro ser, permanecendo aqui, no fundo da minha consciência, destruindo-a muito paulatinamente, porque sei que deveria evitar que a minha vida avançasse a tal velocidade sem que eu dos minutos nada fizesse, mas alegro-me com a sua extinção, com o seu cavalgar alucinado para um fim marcado mas não revelado, é um enigma que se acerca de nós revelando poucas ou nenhumas pistas, e, num ápice, quando a resposta ao enigma não terá qualquer efeito, confronta-nos com tal intensidade que não temos tempo e recebemos-lo de braços abertos, e finda-se mais uma vida que primou pelo queimar iluminado de minutos.
Os minutos são medidas temporais que são alheios à maioria, que não representam grandes mudanças pela sua míngua de segundos, mas isto acontece porque a maioria não está predisposta a deleitar-se com o minuto que arde, que voeja penosamente e que se metamorfoseia em passado distante dum minuto para o outro. E é assaz simples assistir a esta ode ao fim dos tempos, a este requiem à próxima vida, não é mais do que viver veemente o tempo em que se fuma um cigarro no silêncio duma noite quente, vendo o seu afoguear da ponta até ao filtro, enquanto bebemos de todas as substâncias nocivas com jubilo, e contemplamos o infinito e sabemos, embora de forma inconsciente, que o tempo daquele cigarro se vai propagar até ao fim dos tempos. São momentos precisos e muito simples, coisas quotidianas mas que se presumem ser inúteis ou fúteis, ou simplesmente não serem coisa alguma., mas são, na realidade, um dos mais magníficos momentos que um ser humano pode viver.
E são vários os minutos que se queimam ao longo da uma vida, vá ser ela curta, vá ser ela mais comprida., porque, contrariamente à maioria, eu analiso a passagem do tempo nas tarefas mais elementares, consigo escutar o relógio cósmico a passar, que é pouco importante para os homens, mas é de uma extrema importância para o universo, e é ao universo que quero contemplar, não aos homens, que se julgam senhores do tempo, que acreditam piamente no poder que detêm sobre ele e não percebem que são meros fantoches nas suas mãos, que ele passa, magnifico, proporcionando pequenas maravilhas a cada minuto consumido e eles estão entregues a uma estranha necessidade de se sentirem úteis, querendo ocupar-se de todo o tempo de que dispõe e mais algum, porque o tempo é sempre pouco, e viver a um ritmo frenético, doentio, pobre, desconhecendo o quanto é deliciosa a combustão de um minuto, lenta, ritmada, vagarosa, dolorosa, quase asfixiante.
Poucos são aqueles que conhecem a magia do minuto que passou enquanto o contemplamos, do minuto que nasce e caminha a pequenos passos para o fim e que nos tem como espectadores que repousam na mais profunda catatonía. É belo, ronda a eternidade, e não passaram de poucos 60 segundos, 60 segundos que contamos no relógio-da-morte, que deixamos fugir de nós complacentemente. Estou disposto a repetir esta experiência, e tem que ser o mais rápido possível. Estive aqui sentado, preso nestas palavras e não pude contemplar o cavalgar dos minutos em exemplar silêncio e em aflitiva escuridão, não pude acender um cigarro e assistir à sua ruína, que se desenrola sempre perante a minha presença. Por sua vez, ocupei minutos que jamais poderei contemplar, porque o seu momento de combustão já passou e não possuo o dom de regredir no tempo e contemplar os minutos que não vi arder, ainda para mais porque eles agora fazem parte do infinito e eu tenho o maior apreço pelo infinito. Seria incapaz de perturbar o deambular do infinito, o caminhar para o fim.
A partir de agora, voltarei à inutilidade, ao vazio, e terei ao meu dispor todos os minutos que consumir-se-ão daqui para a frente, e garanto que não trocarei esta experiência quase mágica por uma outra qualquer.

5 comentários:

Henrik disse...

Andas em cósmico sofrimento...Pessoa nisso acertou (retirou de Whitman mas acertou) o sofrimento é cósmico...plagiando 'can't rain all the time'.
Abraço.

Saulus from Inner Space disse...

Nem digas nada. Tive que reler o texto 20 vezes para lhe perceber o sentido. Os aditivos arruinam-me

Henrik disse...

LOL. Deixa estar já somos dois...anestesiados e ainda assim sofredores cósmicos...ai nós...ai de nós....

sombra e luz disse...

anestesiados?!... nós temos é uma mente... ex-pan-di-da!...;)
O sofrimento é o que menos interessa! no crescimento trazido pelos fenómenos de explosão dos nossos motores a combustão...

Os minutos não vão a lado nenhum!... É só você a arder... a ser?!... aahhh... pois!...;)

goncalo disse...

pois voces so gozam com o que n devem porque eu conheco casos reais se quiserem contactat é escoteiro_goncalo@hotmail.com