segunda-feira, julho 28, 2008

Viagem entre duas estrelas

Os sons daquela estranha terra vêem para mim de maneira gradual, sem me dar qualquer hipótese de fuga, tempo para pensar na melhor forma de os evitar, e começam a subir de tom, a tornarem-se mais complexos, até que se fundem numa vastíssima mistura de faíscas cósmicas sonoros capazes de destruir até o cérebro mais pujante. Ascensões súbitas, quedas repentinas, longos caminhos na vertical, à velocidade do som, alternados com travagens bruscas e explosões de novas direcções, não estranhamente horizontais. Só me resta tempo para dizer, segue-me e acompanha-me na dor.
Eis um novo som a emergir do mais cavado do meu cosmos. Ele cresce lentamente e capta a minha atenção, vive alimentando-se da minha essência, e que robustez de barulhos confusos tão intricadamente tricotados que, não raras vezes, chega a roçar uma ode sonora, uma ópera, é isso, mesmo não possuindo características que o insiram neste género musical, a gracilidade dos seus sons chegam a roçar o mais profundo e complexo que se conhece da ópera. E vozes cósmicas, tecnologicamente insondadas entrepõe-se entre a harmonia celeste desta composição para guiá-la numa direcção inteiramente diferente, no sentido da estrela mais contígua ao sol e posso segui-la, à mesma velocidade, com a mesma elegância, com o mesmo sentido de ausentar-me das imediações do planeta. Mas há vozes bárbaras que acompanham o som, imprimindo-lhe qualquer coisa de obsoleto, que modificam-lhe a fórmula e o fazem divagar num friso cronológico da história do meu planeta. E surge mais um sample hipnótico para martirizar os meus sentidos sem piedade, o meu corpo ressente-se, torce-se, esmaga e expande, tudo num fundo cénico que cria uma ponte entre eras longínquas e eras inatacáveis, e os actores surgem, vêm vestidos de veludos, couros e linhos, e trazem os olhos cobertos em materiais sintéticos, assim como sintéticos sãos os seus adereços. Que peça é esta, quem foi o maldito criador desta encenação que me confunde, que aumenta a entropia em meu redor, quem é o condenado, eu não quero comprimir, diminuir, implodir na confusão. Quero servir-me do som e expandir-me, crescer, voar daqui para fora, cruzar o espaço e o tempo a uma velocidade ilimitada, por favor, ajudem-me e não me deixem ficar para trás, deitado à constrição, à pequenez, a introspecção e à loucura. Levem-me convosco e deixe-me tomar a dianteira do som que segue em direcção à próxima estrela, à estrela que se segue ao sol, ao nosso último destino.
Está-me a falhar a oralidade, a sintaxe, a semântica, as palavras surgem livres do interior mais recôndito da minha memória e projectam-se à velocidade da luz numa folha, a confusão é atroz e limitativa, os movimentos do corpo já não seguem ao controlo do meu sistema nervoso central e os caracteres estão a metamorfosear-se à frente dos meus olhos e o som alterna a ritmos pouco elegantes entre o obsoleto e o vanguardista, ai que os nervos estão a atrapalhar-me na minha tentativa de sair do planeta ainda hoje. Eu já estava a ascender, de vagar, eu sei, mas o vazio da descolagem já se fazia sentir nas minhas entranhas, estava a perder a sensação da gravidade da terra a puxar-me para si, e agora continuo a ascender, e conto com a ajuda da confusão que vai sendo orquestrada lindamente pela miríade de sons antagónicos que se misturam na melodia que leva os homens para as outras estrelas.
Pedras, estão a cair pedras do céu, e a que velocidades viajam, meu Deus, conseguem viajar mais depressa do que o meu corpo, que já ia embalado na velocidade supersónica da melodia rebuscada e confusa que me servia de propulsão. Eu queria seguir no sentido inverso ao das pedras que caem, mas a sua velocidade prendeu-me, encantou-me e deixou-me no meu coração a vontade de viajar com elas, de comprimir novamente e deixar-me amarrar pelos braços gravitacionais que ladeiam a terra. Indecisão neste momento é que não. Não quero ficar sem saber o que quero realmente, porque a minha primeira opção é aquela que tem que prevalecer, quero partir para a estrela mais próxima e voar a uma velocidade próxima da velocidade da luz e ouvir, ao longe, a bela melodia pluritemporal que me impulsionou para os ares.
É noite, a barreira azul do céu dissipou-se, esqueci as dores, os medos e todas as coisas que me faziam sofrer, a partir de agora é para a frente, seguindo o som do futuro e as melodias do passado em direcção ao desconhecido. A escuridão do cosmos murmura votos de boa viagem, não é tempo de hesitar, a velocidade aumenta de forma louca e é tarde para pensar, o espaço parou, tudo parou, e só a música mantém a sua presença inalterada, e vejam a terra, azul e magnifica, que coragem temos em deixá-la para trás, mas não é de nós que ela precisa… não. Precisa de quem a ame e de quem a estime e nós já não somos capazes de o fazer, passamos dessa fase motivados pelo nosso egoísmo e desejo de expansão. Vamos, jamais voltaremos, ou talvez um dia possamos voltar, quando reaprendermos a amá-la na medida em que ela merece, vamos, sem recordações ou lamentações, a estrela mais próxima é o nosso destino e nada o pode mudar.

2 comentários:

António Miguel Miranda disse...

Divulgação

“Na Terra do Comandante Guélas”, António Miguel Brochado de Miranda, Papiroeditora, Porto

Onde estavam os adolescentes no 25 de Abril?

Conta as aventuras do Gang dos Meninos Ricos e Caucasianos de Paço de Arcos

Filme de Apresentação

www.youtube.com (pesquisar: "comandante guélas")

Henrik disse...

Meu Deus Blake estás a escrever claramente um romance (Congratulo-te meu amigo =P).
Um grande abraço.